Eu extorco o presidente
Eu abolo a escravidão
A minha empresa fale
E eu coloro uma nova nação
Eu explodo o Palácio do Planalto
Eu demolo o Itamaraty
Compito nas olimpíadas
Da nossa inducação
Eu tou falando a verdade,
E não me correge!
É assim que nóis veve,
Porque nóis asseste
A novela das sete
Tudo o que nóis deve
Nóis distribói
E se de um lado aumenta
Do outro diminói
Porque para tudo isso
Nóis contribói
(1999)
*Parceria de Glaucia Piazzi e Grace Piazzi
domingo, 28 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
A valquíria
Serva de Odin, aquela bela valquíria conduzia os mais bravos guerreiros à Valhala. Fazia esse trabalho com esmero e alegria. Era feliz. O sorriso que se estampava em seu rosto traduzia a serenidade que transmitia a quem estivesse perto.
Era ela uma valquíria. Não a específica funcionária de Freya, mas uma mulher simples, doce, delicada. Sem pressa, sem destino, apenas viva. Namorou muito tempo um moço humilde, de bom coração, mas que foi dispensado quando ela se apaixonou à primeira vista por outro. Com este casou-se, teve dois filhos, e foi feliz por alguns anos.
Cavalgava nos céus com armadura brilhante e punha seu dedo no curso da guerra. Determinada e inteligente, apontava aquele vitorioso. Novamente casou-se e acreditou em amor eterno, viveu com este um belo romance. Mais tarde, já cansada de escoltar o seu herói, saiu de cena.
Foi morar numa casinha no meio do nada, perto de um cemitério. A Valhala estava ali ao seu lado. Sentava-se por horas sobre os túmulos e fumava uma erva para relaxar e para com seus guerreiros poder conversar e combinar o caminho até o salão de Odin, em preparação para o Ragnarok. A festa acontecia todos os dias, uma celebração à vida dos guerreiros e à morte dos deuses que a impedissem de simplesmente viver.
Sua voz de contralto, já de senhora, é imponente, sabe o que diz e o que quer. Não impõe medo, mas autoridade. É mãe de pássaro. É Randgrior, o escudo de paz. É som da ópera de Wagner tilintando no campo. Esquece o que fala no meio da frase, mas nunca se esquece que é abraço em cachoeira, é cheiro de flor e carinho de mato. É tão somente uma val-quíria.
Era ela uma valquíria. Não a específica funcionária de Freya, mas uma mulher simples, doce, delicada. Sem pressa, sem destino, apenas viva. Namorou muito tempo um moço humilde, de bom coração, mas que foi dispensado quando ela se apaixonou à primeira vista por outro. Com este casou-se, teve dois filhos, e foi feliz por alguns anos.
Cavalgava nos céus com armadura brilhante e punha seu dedo no curso da guerra. Determinada e inteligente, apontava aquele vitorioso. Novamente casou-se e acreditou em amor eterno, viveu com este um belo romance. Mais tarde, já cansada de escoltar o seu herói, saiu de cena.
Foi morar numa casinha no meio do nada, perto de um cemitério. A Valhala estava ali ao seu lado. Sentava-se por horas sobre os túmulos e fumava uma erva para relaxar e para com seus guerreiros poder conversar e combinar o caminho até o salão de Odin, em preparação para o Ragnarok. A festa acontecia todos os dias, uma celebração à vida dos guerreiros e à morte dos deuses que a impedissem de simplesmente viver.
Sua voz de contralto, já de senhora, é imponente, sabe o que diz e o que quer. Não impõe medo, mas autoridade. É mãe de pássaro. É Randgrior, o escudo de paz. É som da ópera de Wagner tilintando no campo. Esquece o que fala no meio da frase, mas nunca se esquece que é abraço em cachoeira, é cheiro de flor e carinho de mato. É tão somente uma val-quíria.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Amargura
Suei sangue
Para chegar a lugar nenhum
Sorvi a alma duma mulher
Enjaulei o seu corpo
Eu a protegi de tudo
Eu a definhei
Chorei sangue
Meus braços se esvaíram em forças tão vãs
Meus cabelos caíram
Vivi errante
Aqui e ali não vi labor
Lá e acolá não me deram labor
Só ouvi pranto
Só ouvi rangidos
Só ouvi gemidos
Só fiz chorar, ranger, gemer
Carpi as pedras
As farpas deveriam estar
debaixo das minhas unhas
E entre meus dedos
Mas estavam na mulher reclusa
Denotam o labor que não tive
Enjaulei aquela mulher
E dela sorvi a vida
Suei sangue
Chorei sangue
Carpi pedras
E cheguei a lugar nenhum.
Para chegar a lugar nenhum
Sorvi a alma duma mulher
Enjaulei o seu corpo
Eu a protegi de tudo
Eu a definhei
Chorei sangue
Meus braços se esvaíram em forças tão vãs
Meus cabelos caíram
Vivi errante
Aqui e ali não vi labor
Lá e acolá não me deram labor
Só ouvi pranto
Só ouvi rangidos
Só ouvi gemidos
Só fiz chorar, ranger, gemer
Carpi as pedras
As farpas deveriam estar
debaixo das minhas unhas
E entre meus dedos
Mas estavam na mulher reclusa
Denotam o labor que não tive
Enjaulei aquela mulher
E dela sorvi a vida
Suei sangue
Chorei sangue
Carpi pedras
E cheguei a lugar nenhum.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
A vida do amor
Quando o amor nasce no coração, é quase impossível fazer esse parto. Dói, arde, coça, incomoda, tudo ao mesmo tempo. Mas sai, ah, esse bebê sai. Feio, mas sai.
Aí ele cresce. Vira uma criança linda e pura. Saltitante e alegre, corre pelo parque e chafurda-se na lama, na areia, na água, e pouco se importa com a mãe que vai lavar suas roupas mais tarde. É simplesmente feliz.
Mais um pouco, ele vira adolescente rebelde. Briga com tudo e com todos. Não se importa com a dor dos outros, somente com a sua. Pensa ter razão sobre tudo, pensa saber tudo, mas, ah, como são os adolescentes... falta muito do mundo para conhecerem!
Passada a fase rebelde, ele amadurece. É um belo adulto, que vai ficando cada dia mais bonito e vistoso, ganhou formas, ganhou jeito de homem. Ganhou curvas femininas. Tem cara de homem, tem cara de mulher.
E no final, já grisalho e de bengala, cego e triste, vê-se solteiro e não correspondido. E, por fim, morre, e consigo leva aquele que lhe deu à luz.
(1994)
Aí ele cresce. Vira uma criança linda e pura. Saltitante e alegre, corre pelo parque e chafurda-se na lama, na areia, na água, e pouco se importa com a mãe que vai lavar suas roupas mais tarde. É simplesmente feliz.
Mais um pouco, ele vira adolescente rebelde. Briga com tudo e com todos. Não se importa com a dor dos outros, somente com a sua. Pensa ter razão sobre tudo, pensa saber tudo, mas, ah, como são os adolescentes... falta muito do mundo para conhecerem!
Passada a fase rebelde, ele amadurece. É um belo adulto, que vai ficando cada dia mais bonito e vistoso, ganhou formas, ganhou jeito de homem. Ganhou curvas femininas. Tem cara de homem, tem cara de mulher.
E no final, já grisalho e de bengala, cego e triste, vê-se solteiro e não correspondido. E, por fim, morre, e consigo leva aquele que lhe deu à luz.
(1994)
Encantada
Encantada estou pelo teu gesto
Pela tua conversa
Pelas tardes agradáveis
Encantada estou pelo teu sorriso
Pela tua voz
Pela tua pele
Encantada estou pela tua mão
Pela tua palavra
Pelo teu perfume
Encantada estou pelo teu nome
Pelos teus olhos
Pelo teu olhar
Pelo teu coração
Pela tua conversa
Pelas tardes agradáveis
Encantada estou pelo teu sorriso
Pela tua voz
Pela tua pele
Encantada estou pela tua mão
Pela tua palavra
Pelo teu perfume
Encantada estou pelo teu nome
Pelos teus olhos
Pelo teu olhar
Pelo teu coração
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Escultura
Esculpindo num cubo de gelo
Vou fazendo minhas lágrimas vazias
Com todo o cuidado e zelo,
Monto-as como em todos os dias.
Faço-as como num apelo
Esculturas cantando pingando dizias:
De um beijo elas são o selo
De atividades de águas vadias.
Escultura como toda pedra tonta,
Tu e tuas virtudes amedronta,
Aquelas de quem te tem como escultura.
Agora, de gelo pedra dura,
Dia claro e triste noite escura,
Minha escultura de lágrima te encontra.
(1997)
Vou fazendo minhas lágrimas vazias
Com todo o cuidado e zelo,
Monto-as como em todos os dias.
Faço-as como num apelo
Esculturas cantando pingando dizias:
De um beijo elas são o selo
De atividades de águas vadias.
Escultura como toda pedra tonta,
Tu e tuas virtudes amedronta,
Aquelas de quem te tem como escultura.
Agora, de gelo pedra dura,
Dia claro e triste noite escura,
Minha escultura de lágrima te encontra.
(1997)
Alma das águas
Mergulha no meu seio e te faz da água,
Peixe infinito brado do meu ser!
Luta comigo como um bravo omágua,
E cala-te, se eu conseguir te vencer,
A todo custo calarei tua mágoa...
Tentar-me-ás e deverás perder.
Infinita e amarga ela dura em teu peito
No meu seio encontrarás o que te é direito.
Mergulha neste mar de atravancado rio,
Borbulhando tuas palavras inebriantes.
Faz do meu ser o teu puro brio...
Considera-me agora como foste antes,
Neste mar fúnebre e sombrio,
De ondas calmas e apaixonantes
De aguas mórbidas e profundas,
Onde mergulhas em tuas dores mais fundas.
Brada por debaixo deste lençol,
Borbulha desesperado tuas palavras ardentes.
Venha a emergir, buscando o sol,
Semeia de meu seio as tuas sementes.
Onde as guardas no meu mar - no meu atol,
Protegido pelas minhas serpentes...
Puras e intocadas pela tua mão
No meu seio estarão – pela tua ilusão.
Mergulha no meu seio e sentirás
A falta do ar que agora tragas.
Encontrarás a água que desprezarás,
Donde surgiram as tuas vidas amargas.
E o que comigo farás,
Sendo vencido por tuas chagas?
Não mergulhes no seio de outra pessoa,
Lá há água mórbida, a que te atordoa.
Mergulha nas águas do meu seio
Sorvendo o sangue de um possível bruxo.
Sorvendo as dores latentes duma veia,
Onde encontrarás meu coração murcho,
Eterno peixe que aqui veio...
Faz destas inquietantes palavras luxo.
E aqui permanecerás sincero,
Onde teu mergulho sempre espero.
Mergulha nestas águas funestas,
Onde receberás do meu coração balada
Embriagantes gotas, embriagantes festas,
Festa possível, por águas habenada.
Uma das tuas, tudo o que te resta,
Somente poeira embaixo de uma sacada,
De onde vês quem sou,
Porque sou e onde estou.
Profundamente em teu peito
Nesta alma das águas te encontro...
E teu amor é cada vez mais perfeito,
Com inefáveis palavras dum coração tonto.
Um acordo, meu eterno direito,
No teu mar sou apenas um ponto...
Onde estarei e tu estarás
E amar-te-ei e amar-me-ás.
(1997)
Peixe infinito brado do meu ser!
Luta comigo como um bravo omágua,
E cala-te, se eu conseguir te vencer,
A todo custo calarei tua mágoa...
Tentar-me-ás e deverás perder.
Infinita e amarga ela dura em teu peito
No meu seio encontrarás o que te é direito.
Mergulha neste mar de atravancado rio,
Borbulhando tuas palavras inebriantes.
Faz do meu ser o teu puro brio...
Considera-me agora como foste antes,
Neste mar fúnebre e sombrio,
De ondas calmas e apaixonantes
De aguas mórbidas e profundas,
Onde mergulhas em tuas dores mais fundas.
Brada por debaixo deste lençol,
Borbulha desesperado tuas palavras ardentes.
Venha a emergir, buscando o sol,
Semeia de meu seio as tuas sementes.
Onde as guardas no meu mar - no meu atol,
Protegido pelas minhas serpentes...
Puras e intocadas pela tua mão
No meu seio estarão – pela tua ilusão.
Mergulha no meu seio e sentirás
A falta do ar que agora tragas.
Encontrarás a água que desprezarás,
Donde surgiram as tuas vidas amargas.
E o que comigo farás,
Sendo vencido por tuas chagas?
Não mergulhes no seio de outra pessoa,
Lá há água mórbida, a que te atordoa.
Mergulha nas águas do meu seio
Sorvendo o sangue de um possível bruxo.
Sorvendo as dores latentes duma veia,
Onde encontrarás meu coração murcho,
Eterno peixe que aqui veio...
Faz destas inquietantes palavras luxo.
E aqui permanecerás sincero,
Onde teu mergulho sempre espero.
Mergulha nestas águas funestas,
Onde receberás do meu coração balada
Embriagantes gotas, embriagantes festas,
Festa possível, por águas habenada.
Uma das tuas, tudo o que te resta,
Somente poeira embaixo de uma sacada,
De onde vês quem sou,
Porque sou e onde estou.
Profundamente em teu peito
Nesta alma das águas te encontro...
E teu amor é cada vez mais perfeito,
Com inefáveis palavras dum coração tonto.
Um acordo, meu eterno direito,
No teu mar sou apenas um ponto...
Onde estarei e tu estarás
E amar-te-ei e amar-me-ás.
(1997)
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Um beijo
Um beijo, amado,
Que sirva de consolo
A meu coração alado.
Um beijo apaixonado,
Que seja como um estouro
Dentro deste coração calado.
Um beijo de tua boca,
Ardente de puro louvor,
Um beijo, um torpor,
Que me salve de ficar louca,
Um beijo com amor.
Que vença minha paixão,
Um beijo que sobre...
Um beijo de cobre,
Ao atingir um coração.
Só um beijo nobre.
Um beijo que encerre
Minha alma de dores,
Um beijo que a enterre.
Um beijo do inferno,
Para me aquecer eu quero
Um beijo no inverno.
Um beijo, um cais,
Onde ancoras teu orgulho.
Teu beijo, quero mais.
(1996)
Que sirva de consolo
A meu coração alado.
Um beijo apaixonado,
Que seja como um estouro
Dentro deste coração calado.
Um beijo de tua boca,
Ardente de puro louvor,
Um beijo, um torpor,
Que me salve de ficar louca,
Um beijo com amor.
Que vença minha paixão,
Um beijo que sobre...
Um beijo de cobre,
Ao atingir um coração.
Só um beijo nobre.
Um beijo que encerre
Minha alma de dores,
Um beijo que a enterre.
Um beijo do inferno,
Para me aquecer eu quero
Um beijo no inverno.
Um beijo, um cais,
Onde ancoras teu orgulho.
Teu beijo, quero mais.
(1996)
A Virgem
Chora, ri, sem saber o porquê
E a virgem pergunta, pergunta o porquê.
É ela a areia da praia,
Dorme por entre rendas e cambraia.
E a virgem dorme, dorme,
Entre seu sono enorme, enorme.
Correndo do vento, a angústia enfadonha.
E a virgem sonha, sonha.
É ela o sorriso do vento
E vem doce, toma meu pensamento.
E ela acha o mundo pequeno!
É a virgem, bebo seu veneno.
Onde ela está não sei agora,
Talvez longe, ela demora.
Não sei que fim ela toma,
A virgem sob uma redoma.
Lá vai ela, pelos campos de trigo,
Nuvem alva, e nenhum amigo.
E a virgem caminha, caminha.
Tropeça por entre as vinhas.
Lá vai ela, com trôpegos passos,
Em seu mundo pequeno, sem espaços.
O alvorecer acontece
Enquanto ela adormece.
E tem tantos mais, ela, a esperta...
E a virgem desperta, desperta.
(1997)
E a virgem pergunta, pergunta o porquê.
É ela a areia da praia,
Dorme por entre rendas e cambraia.
E a virgem dorme, dorme,
Entre seu sono enorme, enorme.
Correndo do vento, a angústia enfadonha.
E a virgem sonha, sonha.
É ela o sorriso do vento
E vem doce, toma meu pensamento.
E ela acha o mundo pequeno!
É a virgem, bebo seu veneno.
Onde ela está não sei agora,
Talvez longe, ela demora.
Não sei que fim ela toma,
A virgem sob uma redoma.
Lá vai ela, pelos campos de trigo,
Nuvem alva, e nenhum amigo.
E a virgem caminha, caminha.
Tropeça por entre as vinhas.
Lá vai ela, com trôpegos passos,
Em seu mundo pequeno, sem espaços.
O alvorecer acontece
Enquanto ela adormece.
E tem tantos mais, ela, a esperta...
E a virgem desperta, desperta.
(1997)
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Me escreva
Quando o vento já tiver ido embora,
E quando você ficar sozinho e desprotegido,
Sentindo vontade de falar, de gritar e de sumir,
Me mande uma carta...
Talvez assim você se sinta menos susceptível.
Pelo menos só eu estarei vendo isso,
Porque todo mundo será indiferente ao seu sentimento.
Mesmo que você não tenha o que dizer
Ou não saiba o que dizer,
Não se preocupe com isso, porque eu sei entender.
Pelo menos ao escrever meu endereço
Saberei que se lembrou de mim,
Que pensou em mim ao menos um instante,
E assim ficarei feliz.
De qualquer forma, mesmo que se sinta bem,
Me mande uma carta, ainda que em branco,
Pois só eu sei entender o seu soluço e o seu silêncio.
(2002)
E quando você ficar sozinho e desprotegido,
Sentindo vontade de falar, de gritar e de sumir,
Me mande uma carta...
Talvez assim você se sinta menos susceptível.
Pelo menos só eu estarei vendo isso,
Porque todo mundo será indiferente ao seu sentimento.
Mesmo que você não tenha o que dizer
Ou não saiba o que dizer,
Não se preocupe com isso, porque eu sei entender.
Pelo menos ao escrever meu endereço
Saberei que se lembrou de mim,
Que pensou em mim ao menos um instante,
E assim ficarei feliz.
De qualquer forma, mesmo que se sinta bem,
Me mande uma carta, ainda que em branco,
Pois só eu sei entender o seu soluço e o seu silêncio.
(2002)
A poesia de um beijo nos sonhos de um escritor
— Dorme, meu anjo. Tomaste uma ou duas doses de vodca, e um gostoso sono apoderou-se de ti. Enquanto escrevias, teus olhos foram ficando diminutos, teus óculos embaçados e tua cabeça pesada. O devaneio do sonho confundia-se com teus personagens do papel. O vento acariciava teus grisalhos cabelos, enquanto as minhas mãos percorriam a tua macia face.
— E eu, bêbado de carinhos macios, dancei com meus monstros cruéis. Trouxe à tona os disfarces depressivos de outras épocas. E por que fiz isso? Para sorrir de frente para eles. Para dançar, rodopiar e apresentá-los a você. Ensiná-los nossa coreografia. Brindar a noite e os sorrisos maliciosos. Matá-los... de pura inveja.
— Continuei a velar teu sono e a contemplar o movimento dos teus olhos sob as pálpebras. Estavas feliz e sereno como quem encontra a amada num lindo dia de sol. Um discreto sorriso estava impresso na tua face, que me fazia imaginar quem e o que terias encontrado em teus sonhos, que volta e meia te despertavam e viravam pessoas, imagens, paisagens.
— Copiei as linhas mais bonitas de meus textos e escrevi sobre a pele de suas coxas. Li meus versos sacanas e joguei estrofes, esparramadas em suas costas. Tive em minhas mãos prosas e contos que me levaram ao toque de seus lábios. Não era mais sonho...
— Entreguei-me à doçura de tuas letras, ao sabor de tuas palavras e ao abraço de tuas deliciosas frases. Como uma pena, a sensibilidade de teus escritos deslizava sobre a minha pele o mais gostoso veneno, e cada vírgula era um arrepio que me percorria o dorso.
— Em cada frase muda que saía de seus gestos, a música dos gemidos dispersos, embebedados em nossos beijos recém descobertos. Entreabertos, os lábios cantavam suspiros que deslizavam pelos olhos semicerrados, procurando ver, na escuridão do quarto, o prazer que nascia de nossas composições profanas.
— Então adormeço embevecida por teus beijos, teus gestos. Já não me vejo longe da tua pele, igualmente enfeitada pelos meus poemas mais profundos, meus desejos mais recônditos, meus sabores mais intensos. Enquanto adormeço, junto com o vento acaricio teus cabelos... Dorme, meu anjo.
* Parceria de Glaucia Piazzi e M. D. Amado
— E eu, bêbado de carinhos macios, dancei com meus monstros cruéis. Trouxe à tona os disfarces depressivos de outras épocas. E por que fiz isso? Para sorrir de frente para eles. Para dançar, rodopiar e apresentá-los a você. Ensiná-los nossa coreografia. Brindar a noite e os sorrisos maliciosos. Matá-los... de pura inveja.
— Continuei a velar teu sono e a contemplar o movimento dos teus olhos sob as pálpebras. Estavas feliz e sereno como quem encontra a amada num lindo dia de sol. Um discreto sorriso estava impresso na tua face, que me fazia imaginar quem e o que terias encontrado em teus sonhos, que volta e meia te despertavam e viravam pessoas, imagens, paisagens.
— Copiei as linhas mais bonitas de meus textos e escrevi sobre a pele de suas coxas. Li meus versos sacanas e joguei estrofes, esparramadas em suas costas. Tive em minhas mãos prosas e contos que me levaram ao toque de seus lábios. Não era mais sonho...
— Entreguei-me à doçura de tuas letras, ao sabor de tuas palavras e ao abraço de tuas deliciosas frases. Como uma pena, a sensibilidade de teus escritos deslizava sobre a minha pele o mais gostoso veneno, e cada vírgula era um arrepio que me percorria o dorso.
— Em cada frase muda que saía de seus gestos, a música dos gemidos dispersos, embebedados em nossos beijos recém descobertos. Entreabertos, os lábios cantavam suspiros que deslizavam pelos olhos semicerrados, procurando ver, na escuridão do quarto, o prazer que nascia de nossas composições profanas.
— Então adormeço embevecida por teus beijos, teus gestos. Já não me vejo longe da tua pele, igualmente enfeitada pelos meus poemas mais profundos, meus desejos mais recônditos, meus sabores mais intensos. Enquanto adormeço, junto com o vento acaricio teus cabelos... Dorme, meu anjo.
* Parceria de Glaucia Piazzi e M. D. Amado
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
Requiem aeternam
Lux aeterna luceat eis, Domine:
Cum Sanctus tuis in aeternum: quia pius es.
Requiem aeternam dona eis. Domine: et lux
perpetua luceat eis. Cum Sanctis tuis in
aeternum: quia pius es.
Com a força elevada da voz e do espírito, o coral do maestro Ricardo finalizava mais uma apresentação. Era o Réquiem de Mozart, ensaiado para ser apresentado no dia primeiro de novembro, véspera de Finados. Radiantemente feliz pelo dever muito bem cumprido estava o naipe de contraltos, com suas componentes, agregadas e outras moças que estudaram, mas que não puderam participar do espetáculo. A mais feliz delas era Cristina. Depois de permanecer dez anos no soprano, finalmente encontrara sua voz e seu destino, e aquele era o segundo trabalho de grande porte que apresentava.
Junto de Cristina estavam, além das contraltos, Gilberto, namorado dela, o amigo tenor Tiago e uma amiga que não tinha participado da apresentação, Marina. Conversavam animadamente e estavam planejando um almoço em conjunto, para brindar ao sucesso e àquele belo dia de sol. Neste momento, a soprano solista aproximou-se para cumprimentar Cristina e a distraiu da conversa com o grupo. Gilberto, então, aproveitou-se da distração da namorada e disse qualquer coisa a Tiago e Marina, e saiu andando. Cristina pediu para que esperasse um pouco, e ele tocou-a no ombro e delicadamente a retirou do recinto.
Marina não participara da apresentação porque estava atribulada com muitas atividades. Era funcionária de um banco e estudava engenharia. Além disso, lutava há muitos anos contra um câncer, e isso a deixava um tanto quanto debilitada para participar com constância de todas os ensaios, apresentações e até mesmo dos compromissos de trabalho e estudo. Mesmo assim, não deixava de prestigiar os amigos e, por ser contralto, nutria um carinho especial pelas colegas de naipe. Muitas delas amigas, aquelas que estavam com ela a todo momento. Elas sabiam que deveriam aproveitar ao máximo a presença de Marina.
Numa tarde de sexta-feira, vinte dias após a apresentação, Cristina lia seus e-mails e conversava animadamente com seus colegas de trabalho. De repente, algo endereçado ao coral calou a alegria da moça: o maestro Ricardo acabava de comunicar o falecimento de Marina. Cristina, acostumada às risadas e o bom humor da colega, chorou. Ligou para o maestro, que pediu para comunicar a outros membros. Tiago, mesmo inconsolável, conseguiu contar a Cristina a agradabilíssima tarde que todos do coral haviam passado juntos após a apresentação do Réquiem. Aproveitaram ao máximo a presença de Marina, e Cristina não estava lá.
Não acreditando que não fora convidada para este almoço, Cristina perguntou se aquilo fora combinado previamente, e questionando não ter sido convidada ou comunicada. Tiago respondeu que Gilberto foi quem recusou o convite e, achando que tal opinião também traduziria a de Cristina, não insistiu. E tinha certeza de que Gilberto o odiava, e não queria ver a namorada perto do amigo, por isso fizera aquilo.
Lágrimas amargas inundaram o rosto de Cristina.
Alguns dias após a morte de Marina, o maestro convidou os coristas para uma gravação numa rede de televisão. Era a chance que há muito esperavam. Na sala do coral, muitos risinhos, alegria e mais um motivo para a confraternização; e, para variar, Gilberto sempre atrás de Cristina, que já não estava muito bem com ele desde que soubera que ele a privara de estar uma última vez com Marina. Conversavam todos, até que Tiago surge atrás de Gilberto, e faz-lhes o convite:
- Hoje está pedindo um chope!
- Vamos chamar a todos? - pergunta Cristina.
Gilberto interrompe nervosamente a conversa:
- Para onde?
- Para o inferno, Gilberto! PARA O INFERNO! - e saiu, batendo a porta atrás de si, sob o olhar atônito de todos.
No caminho até o carro, o ciumento rapaz dizia o quanto achava Tiago insuportável e inconveniente, devido às suas supostas investidas em relação a Cristina. Ela, revoltada e magoada, bradava-lhe que a deixasse em paz, e que por favor emprestasse por alguns instantes a chave do carro, para que pudesse retirar suas coisas do porta-malas. Gilberto fez-se de desentendido, entrou no carro, abriu os vidros, pediu para que ela o acompanhasse, deu a partida, mas ela somente pedia suas coisas. Ele fechou os vidros, e ela batia com força para que ele abrisse. Deu a volta no carro, batendo então no vidro do passageiro. Ele abriu a porta e disse:
- Entre, Cristina. Precisamos conversar.
- Conversar o escambau! Eu quero as minhas coisas agora!! - dizendo isso, mergulhou dentro do veículo e tirou-lhe a chave da ignição. Nisso, bateu a canela na porta, o que rendeu-lhe um corte e um enorme inchaço. Saiu do veículo e abriu o porta-malas, retirando de lá todas as suas partituras, seus livros e as malas que tinha feito para passar o fim de semana com ele.
Jogou a chave no chão e desceu a avenida a pé, sendo acompanhada de longe por Sérgio, um dos tenores. Quando percebeu que Gilberto já havia se afastado, aproximou-se de Cristina e ofereceu-lhe ajuda para carregar as coisas e acompanhá-la até o ponto de ônibus. Ouviu suas queixas e também achava injusta a forma como Gilberto tratava Tiago, que nunca lhe fizera nada e nem tivera algo com Cristina.
Alguns minutos depois, Gilberto deu a volta no quarteirão. Chamou pela namorada e, ignorando por completo a presença de Sérgio, pegou-a pelo braço, colocou-a no carro e pediu para que conversassem. Ela fez questão de despedir-se antes do amigo, agradeceu-lhe o carinho e seguiu com o namorado.
No caminho, a truculência de Gilberto parecia infindável. Berrava com Cristina, e chegou ao ápice da estupidez quando disse que era com Tiago que ela passava as noites em que ela não atendia ao celular. A moça não pensou duas vezes: meteu a mão no volante e girou. O carro rodopiou e bateu, do lado do motorista, num poste, a 120 km/h. Cristina, atordoada com o choque, olhou para o namorado: o crânio esmigalhado pelo poste e os olhos baços da morte. Aliviada, disse apenas:
- Requiem aeternam, Gilberto!!
Cum Sanctus tuis in aeternum: quia pius es.
Requiem aeternam dona eis. Domine: et lux
perpetua luceat eis. Cum Sanctis tuis in
aeternum: quia pius es.
Com a força elevada da voz e do espírito, o coral do maestro Ricardo finalizava mais uma apresentação. Era o Réquiem de Mozart, ensaiado para ser apresentado no dia primeiro de novembro, véspera de Finados. Radiantemente feliz pelo dever muito bem cumprido estava o naipe de contraltos, com suas componentes, agregadas e outras moças que estudaram, mas que não puderam participar do espetáculo. A mais feliz delas era Cristina. Depois de permanecer dez anos no soprano, finalmente encontrara sua voz e seu destino, e aquele era o segundo trabalho de grande porte que apresentava.
Junto de Cristina estavam, além das contraltos, Gilberto, namorado dela, o amigo tenor Tiago e uma amiga que não tinha participado da apresentação, Marina. Conversavam animadamente e estavam planejando um almoço em conjunto, para brindar ao sucesso e àquele belo dia de sol. Neste momento, a soprano solista aproximou-se para cumprimentar Cristina e a distraiu da conversa com o grupo. Gilberto, então, aproveitou-se da distração da namorada e disse qualquer coisa a Tiago e Marina, e saiu andando. Cristina pediu para que esperasse um pouco, e ele tocou-a no ombro e delicadamente a retirou do recinto.
Marina não participara da apresentação porque estava atribulada com muitas atividades. Era funcionária de um banco e estudava engenharia. Além disso, lutava há muitos anos contra um câncer, e isso a deixava um tanto quanto debilitada para participar com constância de todas os ensaios, apresentações e até mesmo dos compromissos de trabalho e estudo. Mesmo assim, não deixava de prestigiar os amigos e, por ser contralto, nutria um carinho especial pelas colegas de naipe. Muitas delas amigas, aquelas que estavam com ela a todo momento. Elas sabiam que deveriam aproveitar ao máximo a presença de Marina.
Numa tarde de sexta-feira, vinte dias após a apresentação, Cristina lia seus e-mails e conversava animadamente com seus colegas de trabalho. De repente, algo endereçado ao coral calou a alegria da moça: o maestro Ricardo acabava de comunicar o falecimento de Marina. Cristina, acostumada às risadas e o bom humor da colega, chorou. Ligou para o maestro, que pediu para comunicar a outros membros. Tiago, mesmo inconsolável, conseguiu contar a Cristina a agradabilíssima tarde que todos do coral haviam passado juntos após a apresentação do Réquiem. Aproveitaram ao máximo a presença de Marina, e Cristina não estava lá.
Não acreditando que não fora convidada para este almoço, Cristina perguntou se aquilo fora combinado previamente, e questionando não ter sido convidada ou comunicada. Tiago respondeu que Gilberto foi quem recusou o convite e, achando que tal opinião também traduziria a de Cristina, não insistiu. E tinha certeza de que Gilberto o odiava, e não queria ver a namorada perto do amigo, por isso fizera aquilo.
Lágrimas amargas inundaram o rosto de Cristina.
Alguns dias após a morte de Marina, o maestro convidou os coristas para uma gravação numa rede de televisão. Era a chance que há muito esperavam. Na sala do coral, muitos risinhos, alegria e mais um motivo para a confraternização; e, para variar, Gilberto sempre atrás de Cristina, que já não estava muito bem com ele desde que soubera que ele a privara de estar uma última vez com Marina. Conversavam todos, até que Tiago surge atrás de Gilberto, e faz-lhes o convite:
- Hoje está pedindo um chope!
- Vamos chamar a todos? - pergunta Cristina.
Gilberto interrompe nervosamente a conversa:
- Para onde?
- Para o inferno, Gilberto! PARA O INFERNO! - e saiu, batendo a porta atrás de si, sob o olhar atônito de todos.
No caminho até o carro, o ciumento rapaz dizia o quanto achava Tiago insuportável e inconveniente, devido às suas supostas investidas em relação a Cristina. Ela, revoltada e magoada, bradava-lhe que a deixasse em paz, e que por favor emprestasse por alguns instantes a chave do carro, para que pudesse retirar suas coisas do porta-malas. Gilberto fez-se de desentendido, entrou no carro, abriu os vidros, pediu para que ela o acompanhasse, deu a partida, mas ela somente pedia suas coisas. Ele fechou os vidros, e ela batia com força para que ele abrisse. Deu a volta no carro, batendo então no vidro do passageiro. Ele abriu a porta e disse:
- Entre, Cristina. Precisamos conversar.
- Conversar o escambau! Eu quero as minhas coisas agora!! - dizendo isso, mergulhou dentro do veículo e tirou-lhe a chave da ignição. Nisso, bateu a canela na porta, o que rendeu-lhe um corte e um enorme inchaço. Saiu do veículo e abriu o porta-malas, retirando de lá todas as suas partituras, seus livros e as malas que tinha feito para passar o fim de semana com ele.
Jogou a chave no chão e desceu a avenida a pé, sendo acompanhada de longe por Sérgio, um dos tenores. Quando percebeu que Gilberto já havia se afastado, aproximou-se de Cristina e ofereceu-lhe ajuda para carregar as coisas e acompanhá-la até o ponto de ônibus. Ouviu suas queixas e também achava injusta a forma como Gilberto tratava Tiago, que nunca lhe fizera nada e nem tivera algo com Cristina.
Alguns minutos depois, Gilberto deu a volta no quarteirão. Chamou pela namorada e, ignorando por completo a presença de Sérgio, pegou-a pelo braço, colocou-a no carro e pediu para que conversassem. Ela fez questão de despedir-se antes do amigo, agradeceu-lhe o carinho e seguiu com o namorado.
No caminho, a truculência de Gilberto parecia infindável. Berrava com Cristina, e chegou ao ápice da estupidez quando disse que era com Tiago que ela passava as noites em que ela não atendia ao celular. A moça não pensou duas vezes: meteu a mão no volante e girou. O carro rodopiou e bateu, do lado do motorista, num poste, a 120 km/h. Cristina, atordoada com o choque, olhou para o namorado: o crânio esmigalhado pelo poste e os olhos baços da morte. Aliviada, disse apenas:
- Requiem aeternam, Gilberto!!
sábado, 13 de fevereiro de 2010
Paz
Tu és um ponto em branco
Que está suspenso no ar
E que depois pousa por sobre o
Imenso gramado
Que recobre minha alma.
Depois tu te vais
Deixas tudo para trás...
A harmonia, a calma...
E voltas, como sempre,
E não podes me atormentar
Porque és paz,
E infinitamente estás pousada
No verde imenso
De esperança de meu ser.
(1996)
Que está suspenso no ar
E que depois pousa por sobre o
Imenso gramado
Que recobre minha alma.
Depois tu te vais
Deixas tudo para trás...
A harmonia, a calma...
E voltas, como sempre,
E não podes me atormentar
Porque és paz,
E infinitamente estás pousada
No verde imenso
De esperança de meu ser.
(1996)
Soneto para uma viagem
Poder para governar um cubo de ar!
Deus, sou feliz com o que me deste,
Neste belo sol, neste azul celeste,
Puseste em mim a coragem para voar.
De glória o sol o vento veste
Torna-me pura e imaculada ao soprar
Quero ser livre e contigo poder sonhar
Numa zarpada ir de leste a oeste.
Durmo solitária e acordo purificada pelo vento
Na madrugada de medo do meu pensamento
Vou compondo no céu uma bela paisagem.
E aqui fica meu desejo de subir ao firmamento,
Encontrar o sol e eternamente beijar o vento
E ir contigo às estrelas - fim de minha viagem.
(1998)
Deus, sou feliz com o que me deste,
Neste belo sol, neste azul celeste,
Puseste em mim a coragem para voar.
De glória o sol o vento veste
Torna-me pura e imaculada ao soprar
Quero ser livre e contigo poder sonhar
Numa zarpada ir de leste a oeste.
Durmo solitária e acordo purificada pelo vento
Na madrugada de medo do meu pensamento
Vou compondo no céu uma bela paisagem.
E aqui fica meu desejo de subir ao firmamento,
Encontrar o sol e eternamente beijar o vento
E ir contigo às estrelas - fim de minha viagem.
(1998)
Destruir
Levanta das tuas folhagens - cama
Olha em volta e diz se viu alguém;
Descobres que esse alguem é um ninguém,
Que queima-te, e em tuas dores inflama.
Floresta negra onde alguém te clama
Bradam-te e escutas também
Árvore morta por um mal de bem
Serra em ti, um toque de quem não ama.
Destruindo tuas cores caminhantes
Parada no ar tu, como elas, escutam
Todos os projetos de uma desolação.
Os homens teus espaços disputam.
Grita de dor, senão não pararão!
E acabarão com tuas irmãs exuberantes.
(1999)
Olha em volta e diz se viu alguém;
Descobres que esse alguem é um ninguém,
Que queima-te, e em tuas dores inflama.
Floresta negra onde alguém te clama
Bradam-te e escutas também
Árvore morta por um mal de bem
Serra em ti, um toque de quem não ama.
Destruindo tuas cores caminhantes
Parada no ar tu, como elas, escutam
Todos os projetos de uma desolação.
Os homens teus espaços disputam.
Grita de dor, senão não pararão!
E acabarão com tuas irmãs exuberantes.
(1999)
Olhos profanos
Observando meu amanhecer,
Olha-me, pois não tens como o esconder!
Teu olhar infinito entre tantos belos,
Olhando-me tu manténs comigo elos.
Olhares puros tu a mim lanças,
De tudo, e tuas flores e tuas danças!
Danças das tuas meninas gentis,
Torna-me pura com teus olhos febris.
Olhares profundos, de tua sorte profanos,
Inebriantes habenas de amores mundanos.
Olhares profundos de uma eternidade,
Olha-me agora, na tua profundidade!
Contempla-me com teus olhos insanos,
Faz-me sentir que não cometo enganos.
(1999)
Olha-me, pois não tens como o esconder!
Teu olhar infinito entre tantos belos,
Olhando-me tu manténs comigo elos.
Olhares puros tu a mim lanças,
De tudo, e tuas flores e tuas danças!
Danças das tuas meninas gentis,
Torna-me pura com teus olhos febris.
Olhares profundos, de tua sorte profanos,
Inebriantes habenas de amores mundanos.
Olhares profundos de uma eternidade,
Olha-me agora, na tua profundidade!
Contempla-me com teus olhos insanos,
Faz-me sentir que não cometo enganos.
(1999)
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Sonho de Ícaro
Então ele disse:
- Ou eu ou a aviação.
Ela não disse nada. Simplesmente virou-lhe as costas, abriu os braços e saiu em disparada. Rotacionou os braços para trás, simulando o movimento de um flape para ganhar sustentação. De onde estava, só fez gritar para ele:
- Depois da V1, velocidade de decisão, não há mais possibilidade de se abortar a decolagem!!!
- Ou eu ou a aviação.
Ela não disse nada. Simplesmente virou-lhe as costas, abriu os braços e saiu em disparada. Rotacionou os braços para trás, simulando o movimento de um flape para ganhar sustentação. De onde estava, só fez gritar para ele:
- Depois da V1, velocidade de decisão, não há mais possibilidade de se abortar a decolagem!!!
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Por entre minhas dores
Por entre dores caminho
Doendo-se, desgraçadas sortes
Vento, moendo moinho
Por entre minhas dores, mortes.
Por entre minhas dores flutuando
Dádiva, tamanho inferno
Coração se quebrando,
Gelo de um infinito inverno.
Inebriantes dores apenas
Esvoaçavam-se no espaço ardil
Apenas primaveras amenas
Vermelhas, caule de pau-brasil.
Fúteis dores, lágrimas almas
Risos tristes, sons ocos
De todas as mais calmas
Dores, enterro de socos.
Animais, lúgubres enfermos
Caminho doendo meus pés
Dores, doendo a ermo
Para curá-las, o revés
Por entre minhas dores
Caminho, solitária e esquecida
Dores de eternos amores
Por entre dores... morte em vida.
(1999)
Doendo-se, desgraçadas sortes
Vento, moendo moinho
Por entre minhas dores, mortes.
Por entre minhas dores flutuando
Dádiva, tamanho inferno
Coração se quebrando,
Gelo de um infinito inverno.
Inebriantes dores apenas
Esvoaçavam-se no espaço ardil
Apenas primaveras amenas
Vermelhas, caule de pau-brasil.
Fúteis dores, lágrimas almas
Risos tristes, sons ocos
De todas as mais calmas
Dores, enterro de socos.
Animais, lúgubres enfermos
Caminho doendo meus pés
Dores, doendo a ermo
Para curá-las, o revés
Por entre minhas dores
Caminho, solitária e esquecida
Dores de eternos amores
Por entre dores... morte em vida.
(1999)
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Aqueles dois
Um desejo profano nascia no coração dela. Desejava um homem lindo, mais velho, vida feita, mas não era qualquer um, era aquele o seu homem, que já de longe, quando o avistava, admirava. Ambos partilhavam da arte, e pareciam ler os pensamentos e anseios um do outro.
Despia-o com os olhos e roçava-lhe o peito com a respiração ofegante e inebriada de paixão, percorria-lhe a boca e o pescoço com os lábios entreabertos. Deslizava as mãos por seus ombros e terminava de desabotoar-lhe a camisa. Agarrava-lhe os flancos e mordia-lhe a boca. O beijo, antes suave, agora era ardente, febril. Tira-lhe a calça, a roupa de baixo, e continua a beijar-lhe o corpo. Ele, paralisado, permanece atento ao movimento dela, observando o melhor momento de correspondê-la. Eis que ele enfim faz o mesmo, tira-lhe o vestido, acaricia-lhe o corpo, aperta-lhe as articulações dos dedos das mãos, toca-lhe a nuca.
Seus corpos se encontraram ao sabor do vento e da noite, um misto de loucura e voracidade. A dança ritmada de ambos, as pernas trêmulas e os cabelos úmidos sobre os largos ombros da moça compunham um delicado quadro. As delgadas mãos dele percorrendo cada centímetro daquele perfumado corpo faziam com que o espírito dela ascendesse, a ponto de ir ao céu e poder tocar as estrelas. Então, ela o convida a tocarem-nas juntos, e assim vão ao ápice da volúpia e da devoção.
Em êxtase, aqueles dois acabaram por se pertencerem. A arte de ambos não só imitava a vida, como também com ela se confundia.
Fora apenas um sonho... o suficiente para que ela acordasse banhada em suor e felicidade.
Despia-o com os olhos e roçava-lhe o peito com a respiração ofegante e inebriada de paixão, percorria-lhe a boca e o pescoço com os lábios entreabertos. Deslizava as mãos por seus ombros e terminava de desabotoar-lhe a camisa. Agarrava-lhe os flancos e mordia-lhe a boca. O beijo, antes suave, agora era ardente, febril. Tira-lhe a calça, a roupa de baixo, e continua a beijar-lhe o corpo. Ele, paralisado, permanece atento ao movimento dela, observando o melhor momento de correspondê-la. Eis que ele enfim faz o mesmo, tira-lhe o vestido, acaricia-lhe o corpo, aperta-lhe as articulações dos dedos das mãos, toca-lhe a nuca.
Seus corpos se encontraram ao sabor do vento e da noite, um misto de loucura e voracidade. A dança ritmada de ambos, as pernas trêmulas e os cabelos úmidos sobre os largos ombros da moça compunham um delicado quadro. As delgadas mãos dele percorrendo cada centímetro daquele perfumado corpo faziam com que o espírito dela ascendesse, a ponto de ir ao céu e poder tocar as estrelas. Então, ela o convida a tocarem-nas juntos, e assim vão ao ápice da volúpia e da devoção.
Em êxtase, aqueles dois acabaram por se pertencerem. A arte de ambos não só imitava a vida, como também com ela se confundia.
Fora apenas um sonho... o suficiente para que ela acordasse banhada em suor e felicidade.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Festa das fagulhas
Fagulhas fugidas fingem felicidade,
Funestas festas fazem futilmente
Feixe de fogos fúnebres - faculdade
Facilitam festas de fogos fortemente.
Festas fagulhas de fogos farsantes
Fogem, ficam os filhos das frutas!
Fastidiam de felicidade, frutificantes
Fadejando fontes de farpas felpudas.
Fagulhas finas, fogos de festas
Fogem fábulas, fetiche fugaz
Feticídio de fêmeas filauciosas funestas
Filha do fruto, da figura que farás.
Fama favônia farás de fulana fantasia
A Febe fecharás o facho de folia
Fadiga da festa - das fagulhas fardel,
Faz-te firme, feroz e fiel.
(1996)
Funestas festas fazem futilmente
Feixe de fogos fúnebres - faculdade
Facilitam festas de fogos fortemente.
Festas fagulhas de fogos farsantes
Fogem, ficam os filhos das frutas!
Fastidiam de felicidade, frutificantes
Fadejando fontes de farpas felpudas.
Fagulhas finas, fogos de festas
Fogem fábulas, fetiche fugaz
Feticídio de fêmeas filauciosas funestas
Filha do fruto, da figura que farás.
Fama favônia farás de fulana fantasia
A Febe fecharás o facho de folia
Fadiga da festa - das fagulhas fardel,
Faz-te firme, feroz e fiel.
(1996)
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Há tempos
Enquanto preparava as malas, Catarina ouvia música em volume baixo, o suficiente para que pudesse concentrar-se no que fazia. Talvez parecesse mesmo que usara algo que a entorpecia, mas era apenas uma grande e profunda tristeza. Saíra da casa da mãe para viver um grande amor em outro Estado, ao qual não se adaptara.
Os versos de Renato Russo pareciam encaixar-se perfeitamente na situação. Catarina, cabisbaixa, sentou-se à beira da cama, acariciando os dentes de uma escova de cabelos, e pensava na mãe, nos avós, na saudade que sentia das árvores de seu quintal, dos primos com quem conversava e brincava até anoitecer. Agora, sentia-se acuada, cansada, solitária. Sentia que havia jogado fora seu tempo, deixando de viver a alegria da juventude para viver a vida de outrem. O descompasso e o desperdício.
Já não mais sonhava, nem sabia se ainda conseguia. Deprimida, dedicava-se ao desenho quando seu marido não se encontrava em casa. Cuidava do filho de cinco anos porque tinha que cuidar, apesar de amá-lo tanto. Olhava para o sol lá fora, um dia maravilhoso, e fitava seu rosto ao espelho e desistia de sair. Acostumou-se a viver a vidinha tosca que seu marido lhe impusera. É, quem vive de sonhos é só o dono da padaria mesmo.
Sentia uma vontade muito grande de gritar. Gritar, gritar, até estourar os miolos, os tímpanos, as pregas vocais. Gritar até pôr para fora toda a depressão, toda a angústia, toda a sujeição. Sabia que não podia por causa das convenções sociais, por isso não o fazia, então tomou a decisão.
Tinha apenas vinte e três anos, um filho e já era sofrida. O encanto do casamento ausente, os sorrisos enferrujados dos vizinhos, da sogra, dos cunhados. Precisava de abrigo e proteção e sabia que os encontraria somente em seu berço e sua casa. A decisão era deixar tudo para trás e voltar a ser quem era.
Para o marido, disciplina nunca foi liberdade, nem compaixão fortaleza. Ter isso tudo e bondade, para ele, era ser bobo; para Catarina, coragem. E foi dessa coragem que tomou no poço da água límpida de casa. E partiu.
Acariciava os cabelos do filho e pensava no quão grandioso seria o futuro dos dois longe daquele inferno. Desceu, então, no meio da estrada, em Cristalina, de onde podia observar uma parte da Linda Serra dos Topázios. De mãos dadas com o menino, olhava o horizonte e recomeçava ali a sua história.
* Baseado na música "Há tempos", de Dado Villa-Lobos, Renato Russo e Marcelo Bonfá.
Os versos de Renato Russo pareciam encaixar-se perfeitamente na situação. Catarina, cabisbaixa, sentou-se à beira da cama, acariciando os dentes de uma escova de cabelos, e pensava na mãe, nos avós, na saudade que sentia das árvores de seu quintal, dos primos com quem conversava e brincava até anoitecer. Agora, sentia-se acuada, cansada, solitária. Sentia que havia jogado fora seu tempo, deixando de viver a alegria da juventude para viver a vida de outrem. O descompasso e o desperdício.
Já não mais sonhava, nem sabia se ainda conseguia. Deprimida, dedicava-se ao desenho quando seu marido não se encontrava em casa. Cuidava do filho de cinco anos porque tinha que cuidar, apesar de amá-lo tanto. Olhava para o sol lá fora, um dia maravilhoso, e fitava seu rosto ao espelho e desistia de sair. Acostumou-se a viver a vidinha tosca que seu marido lhe impusera. É, quem vive de sonhos é só o dono da padaria mesmo.
Sentia uma vontade muito grande de gritar. Gritar, gritar, até estourar os miolos, os tímpanos, as pregas vocais. Gritar até pôr para fora toda a depressão, toda a angústia, toda a sujeição. Sabia que não podia por causa das convenções sociais, por isso não o fazia, então tomou a decisão.
Tinha apenas vinte e três anos, um filho e já era sofrida. O encanto do casamento ausente, os sorrisos enferrujados dos vizinhos, da sogra, dos cunhados. Precisava de abrigo e proteção e sabia que os encontraria somente em seu berço e sua casa. A decisão era deixar tudo para trás e voltar a ser quem era.
Para o marido, disciplina nunca foi liberdade, nem compaixão fortaleza. Ter isso tudo e bondade, para ele, era ser bobo; para Catarina, coragem. E foi dessa coragem que tomou no poço da água límpida de casa. E partiu.
Acariciava os cabelos do filho e pensava no quão grandioso seria o futuro dos dois longe daquele inferno. Desceu, então, no meio da estrada, em Cristalina, de onde podia observar uma parte da Linda Serra dos Topázios. De mãos dadas com o menino, olhava o horizonte e recomeçava ali a sua história.
* Baseado na música "Há tempos", de Dado Villa-Lobos, Renato Russo e Marcelo Bonfá.
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