quarta-feira, 27 de maio de 2009

Vaga

Incitarás no vento a vontade de vencer
Oh, vaga, beija a praia e torna a emudecer!
Salobra e nobre, o teu sabor a divagar
Instilar-me-á a vontade de em ti vagar.

Cairás incerta sobre mim, pois sou areia
Que ilustrará a noite, e ainda incendeia
A cortina sobre a saga calma e fria,
Salgada vaga, salobra e sombria.

Sempre em saga, areia cheia e chaga,
Ainda reboo em tua crista, amada vaga!
Eis que agora me beijas e me buscas:

Mar imenso, com teu brilho me ofuscas,
Inefável é este encontro entre ti e tua aia,
O beijo entre vaga e areia à beira da praia!

(2001)

terça-feira, 26 de maio de 2009

IML

Na guerra selvagem da cidade de todo dia, ele levanta-se mais uma vez para cumprir com a sua obrigação laboral. Entra no ônibus, pisando pé de um, empurrando a bolsa de outra, disputando espaços. Conhece e não conhece o seu lugar.

Adentra o laboratório, abre seus vidros de éter, clorofórmio, ácido clorídrico. Mecanicamente continua sua tarefa de todos os dias. Não vê luz, apenas sombras. As sombras das árvores lá fora, a sombra do seu sombrio trabalho. E continua trocando órgãos de lugar, trocando éter de lugar. E passa o dia nessa sombra.

Olha pela janela. O veículo funesto para à porta. Abre-se o rabecão. Apenas um corpo. Coberto de jornal, somente o abdome era visível. Algo pareceu-lhe familiar... seu pai! Ah, Deus, que aconteceu! Da janela mesmo ele gritara ao encarregado, com os olhos já marejados pelas lágrimas, perguntando o que havia acontecido. "Tiro no ouvido". Aquela resposta torturou-o como o próprio tiro.

Desceu a rampa correndo, foi à sala de necrópsia. Era a primeira vez que ali ele entrava. Via corpos espalhados, todos os tipos de traumas; alguns já com a marca e sutura finais da necrópsia. Cego pela dor, procurava pelo corpo que vira pela janela, e finalmente viu-o entrando numa maca, nu, ainda com jornais. Pediu licença ao encarregado e retirou os jornais de seu rosto. Um osso temporal partido; uma caixa timpânica esfacelada. Não era seu pai, mas foi só vendo o rosto que tivera essa certeza. E também, por que haveria de ser? Teria motivo para tal? E esse homem? Quem era, por que estava ali, e ele, chorando por um desconhecido?

Olhou à sua volta, e percebeu que a geladeira estava em processo de limpeza. Já não eram somente corpos, eram braços, pernas, cérebros, corações. A dimensão da dor não é gástrica, é indescritível, e a sensação é de todos estarem respirando, dormindo, em paz. Em paz ele sabia que estavam, e não o assustavam. Sabia que estavam vivos, ao menos no pensamento de alguém querido. Pensava na família, até naqueles que pisara dentro do ônibus. Amanhã será ele ou serão esses outros a estarem nessas macas.

Ouve o ronco do motor. O rabecão sai em busca de mais alguém. E ele, trabalhador, retorna à sua realidade da guerra insana de todo dia, e pensa: vida... isso é ouro!

(1997)

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Cotidiano

O sol mal desponta e os dois já estão de pé, acelerando o passo para não perderem a hora. Ele apronta o café e coloca os pães na torradeira, enquanto ela passa uma camisa. Entre beijos e a conversa matinal, vão organizando a pauta do dia, colocando o jornal próximo da pasta, o computador portátil na mochila, os óculos de grau no estojo.

O som do liquidificador acorda as crianças, que vêm, ainda de pijamas, em algazarra pela cozinha. Derrubam um vaso de flores e a mãe, brava que ficara, retira-as dali e leva-as logo para o banho. Veste-lhes o uniforme do colégio, dá-lhes a vitamina, auxilia-lhes na escovação dos dentes, penteia-lhes os cabelos e ouve a buzina do escolar que os aguardava na porta de casa. Despede-se de cada um com um beijo, mesmo com a bronca por eles terem destruído suas violetas.

Volta e ri de si mesma, e pensa como a felicidade pode estar numa coisa tão cotidiana. Ficara chateada, mas os risos, a alegria e o amor dos filhos compensavam qualquer contratempo que viesse a ter com eles. Entra em casa e vê o marido terminando de preparar-lhe um suco de laranja. Senta-se e com ele toma seu café, ajeita-lhe a gravata e enche-lhe de afagos.

Saem para trabalhar, prontos para encararem mais uma vez o trânsito infernal de Belo Horizonte. Param num sinal amarelo, e um sujeito que vinha logo atrás buzina para que os dois avancem, mas, felizes em um terno beijo, nem se importam com pressa do outro. O sinal ainda há de abrir, ele pode esperar. O sujeito ralha, reclama, buzina; passa à frente e segue seu caminho, mal humorado. Os dois permanecem rindo e felizes, e trocam beijos a cada sinal vermelho.

Ao final da tarde, ele a reencontra, e voltam juntos para casa. Aquele belo horizonte convida-os à contemplação do arrebol. Em mais um dos inúmeros semáforos daquela cidade, num veículo ao lado do deles, algumas moças cantam e batem palmas. Os dois começam a bater palmas e a rir junto com elas. A felicidade os embevecia e contagiava quem estava próximo e, como um pássaro, pousava suavemente sobre a cumeeira da casa de amor que construíam dia a dia.

domingo, 10 de maio de 2009

Estação da Luz

Desesperada, procura o telefone na bolsa, não consegue encontrá-lo. Tenta parar um transeunte ou outro, mas na gigantesca e violenta São Paulo ninguém quer ajudar, não por falta de humanidade, mas por medo.

No largo de Santa Ifigênia, os pedestres nela esbarram, jogam-na ao chão algumas vezes. Um ou outro tem a bondade de ajudá-la a se levantar. Uma mulher a guia até a estação do metrô, onde poderia conseguir o auxílio de uma viatura policial.

Por entre dores ela caminha, apoia-se numa parede, mais à frente num poste. Pálida, vem suando frio, respiração rápida e curta. Aquele volume em seu abdome mostra ao mundo que ela está grávida e prestes a dar à luz. Ela continua caminhando, a fronte elevada e os olhos lânguidos dizem que é chegada a hora.

As contrações provocam-lhe arrepios na espinha, dilatam-se-lhe as pupilas. As dores começam a confundir-lhe os sentidos, ela ouve cheiros, sente sons e prova visões. Continua tentando encontrar o telefone na bolsa, mas já não mais consegue falar. Tomba no meio do pátio, entre o povo. As dores, cada vez mais fortes, roubam-lhe as forças. É, sim, chegada a hora.

Um policial e uma funcionária acolhem-na e levam-na para uma sala reservada. Chamam uma ambulância, enquanto assistem aquela mulher. A funcionária a despe e pede para que respire, e a nova vida vem ao mundo.

Não demora muito, e logo o choro de expulsão do líquido amniótico dos pulmões irrompe naquela sala. O policial e a funcionária, mesmo emocionados, providenciam o corte do cordão umbilical e levam o filho ao peito da mulher que, pulsando e chorando de alegria, o recebe e o acolhe.

Sim, era chegada a hora. Ela agora era mãe, na estação da Luz.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Begônias

Tal qual uma taça de cristal, o coração da jovem despedaçara-se. Fora presenteada com begônias pela manhã, e custava a acreditar que, com o decorrer amargo do dia, a cor daquelas flores fosse transformar-se em punhaladas verbais.

Já era tarde da noite. Desceu do automóvel, agradeceu o presente, mas não olhou para trás; ouviu o ruído ensandecido do atrito dos pneus contra o solo. Sozinha, atravessou a rua cabisbaixa, com uma lágrima ácida rolando pela face. Teve ímpeto de jogar as begônias, suas flores preferidas, contra o asfalto, mas não conseguia. Pensava nas duras palavras que ouvira, mas tinha a grandeza de superá-las com seu amor.

Era agora uma manhã de maio, céu muito azul, um vento frio e gostoso. Viam-se ambos em lados opostos da avenida. Fitam-se durante vários minutos, procuram a faixa de pedestres, mas ficam em dúvida ao decidirem atravessar.

O coração bate forte, os dois tremem, as lágrimas turvam-lhes a visão. Outros pedestres neles esbarram, reclamam por estarem parados, impedindo o trânsito. O sinal se fecha, e permanecem em mútua contemplação de sua imagem distorcida.

Novamente abre-se o sinal, e desta vez não vacilam. Correm para os braços um do outro, superando as palavras ásperas, e a voz, antes indelicada, era nesse momento suave, e gritavam seu amor entre a multidão.

Encontram-se no canteiro central e, com o abraço do perdão, dançam ao som da cidade que acorda, entre buzinas, automóveis e fumaça. A felicidade dos bailarinos ocasionais incomoda, mas fazem-se surdos e continuam seus passos desencontrados por entre as begônias do canteiro.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Juiz lá fora

Enquanto a amiga sai para trocar uma nota, aquela linda jovem, de cabelos dourados e pele morena, ao som de Guilherme Arantes, fecha sua conta no saguão do hotel.

São nove da manhã, o sono ainda visitando seus olhos castanhos. Procura na bolsa as chaves, pega um espelho, ajeita o cabelo, a maquiagem. Assina o cheque, organiza as malas, olha para trás e vê que o ônibus que as aguardava já não mais estava na porta. A amiga, lá fora, observa estarrecida a partida do veículo, e a jovem morena torna-se num palor de cera.

Tentam em vão alcançar o ônibus. Desnorteadas, pensam juntas numa solução. Precisam retornar à sua cidade, à sua casa, ao seu trabalho. Decidem não mais procurarem o veículo que partiu sem elas, vão até a rodoviária da cidade, compram passagens para um ônibus convencional. Deveriam estar de volta às treze horas, mas só conseguirão, debaixo de um forte temporal, estar em casa às dezenove.

A linda jovem permaneceu alva com o susto, e agora o corpo processava o abandono, a ignorância, e respondia com revoluções gástricas e vesicais. O esquecimento corroía-lhe o coração e às vezes enrubecia-lhe a face. Falava da dor, que ora amenizava, ora voltava mais forte.

A amiga, serena, digere em silêncio o que mais tarde se transformaria num misto de raiva, de terror, de consternação. Ouve a jovem, estende-lhe a mão e vela seu sono durante a viagem.

Desembarcam caladas, ajeitam suas bagagens no táxi. Retornam cada uma para sua casa, levando no peito a sensação de terem sido pisoteadas.

É segunda-feira. A linda jovem de cabelos dourados e pele morena, esquecida, levanta-se para mais um dia de trabalho, com seu sorriso mais radiante e a garra de uma grande guerreira.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Oração

Ela não se cansa de repetir que o ama, com toda a sua alma, com todo o seu ser, com todo o seu sorriso, com a sua alegria, até com a sua dor e com o seu desespero.

Ela o quer e o deseja com toda delícia, com todo o fogo, com toda a pele. Só de pensar nele, sente o seu toque, seu cheiro, sua pele roçando-lhe o colo, sente o amor transbordando em seu peito e enchendo o dela.

O mais genuíno amor é o que acontece com os dois, sentindo ambos a mesma coisa, mas há neste momento a dor absurda por estarem longe um do outro. Ai que falta teu abraço faz! Como ela queria passar esta noite com ele, dormir sentindo a sua respiração no pescoço, a sua voz firme e suave ao seu ouvido!

Não se imaginam mais um sem o outro, pois, se assim o fosse, a vida seria sem graça, sem cor e sem som, sem alegria. Viverão tudo o que não puderam, e viverão agora tudo o que podem e merecem. Merecem ser felizes, e o merecem juntos, e é isso o que querem: viver e envelhecer um ao lado do outro.

Ela pede apenas que ele a ame como o ama, que a deseje como o deseja, e ele terá para sempre a companheira que pediu a Deus, abençoada e de braços e peito abertos para ele. Agradecem e pedem a Ele todos os dias para que os abençoe e os proteja de todo o mal, porque são a mulher e o homem um da vida do outro, e deixaram-se escapar várias vezes, mas agora tornaram, e para sempre.

Despedem-se ao telefone, ela louca de saudade e com os olhos marejados de tanta vontade de estar junto dele. Sonha que sente seus beijos e afagos, e pede que ele durma tranquilo e na presença dos anjos do Senhor, e que eles o guardem e o ajudem - como também a ajudam - a suportar a distância com serenidade.

sexta-feira, 20 de março de 2009

A vida é um mingau

A vida é um mingau, com sabor de milho verde e canela pulverizada por cima.

Daqueles deliciosos que a mamãe fazia nas noites de frio, substituindo o jantar, ou então no lanche da tarde, com cereal e banana cortada por cima, como nos comerciais de tevê.

A gente come pelas beiradas, coloca bocadinhos na boca pequena e que logo se torna grande, pois o mingau está quente e a mamãe avisou para ter cuidado.

Às vezes está mais ralo, muito doce; é de milho, é de maisena, é de flocos de cereais. Tem dias em que é salgado, a gente estranha o primeiro, mas logo se acostuma.

Mingau não precisa mastigar. Por isso mesmo, seu sabor chega com mais facilidade às papilas, espalha-se, aquece a alma.

Mingau tem sabor das tardes em que pulávamos de dor durante o banho, pelos joelhos escalavrados após os tombos dos carrinhos de rolemã, dos papelões rasgados na descida do morro gramado, dos muros pulados e das expedições - geralmente não autorizadas - às goiabeiras dos vizinhos. Do tempo em que só reclamávamos por ir à escola, e reclamávamos mais ainda por não querermos ir no dia de nosso aniversário.

Mingau tem sabor de pipa ao vento, de aviãozinho de lata, de cuidado de criança com passarinho que quebrou a asa.

Mingau é a inocência em alimento, tem sabor de infância, de saudade; da paz e da doçura que só as crianças sabem ter quando olham para o mundo e acham que já são grandes.

domingo, 15 de março de 2009

O primeiro voo

Ela entra no carro, desce a serra e alcança a planície. Comendo carambolas e falando sem parar, sua vivacidade contagia. Ainda em terra, no aeroporto, o coração pulsa por aquela escolha que seria a mais feliz e fiel a si que já fizera. Ela era aviadora, amava a liberdade, a velocidade, a máquina, a inteligência. Tomara para si a responsabilidade sobre o direito de ir e vir.

Observa a aeronave com a brejeirice de uma criança e a precisão de um piloto. Dentro de alguns minutos teria em suas mãos o manche, os profundores, a deriva, o leme, o estabilizador e, ah, as asas, que também tornavam alado o seu espírito.

Taxia até a pista, reconhece os comandos como quem dirige um automóvel pela primeira vez. Alinha na cabeceira, ouve as instruções, põe o capacete, testa a comunicação.Ouve maravilhada o som do motor quando acionado. Dá potência e a aeronave corre na pista, e finalmente alça seu primeiro voo. Era a liberdade bradando-lhe que era isso que queria e deveria fazer pelo resto da vida.

Deus, ela já é feliz com o que deste, e é com este belo sol e este profundo azul que nela puseste a coragem para voar. Ela suporta o estol com um suspiro, impulsiona a aeronave até onde possa ver águas, nuvens, montanhas cobertas de verde, de laranja, de amarelo, de arco-íris.

Encara o vento de través sem medo, como uma comandante experiente, empunhando firmemente o manche enquanto as asas descrevem sua trajetória curva até atingirem a perna do vento. Baixa mais alguns pés, toma a perna base e pousa como uma borboleta, suave, sem pressa, sem barulho.

Desce da aeronave com todas as cores nos olhos, todos os sabores na boca, todos os sentimentos nas mãos. Estava de alma lavada e alada.

domingo, 8 de março de 2009

Essa mulher

Lá vem ela, a meninota de dezesseis anos, com dor nas costas, de carregar pasta, sacola, livro, violão. Tropeça nos degraus das escadas, pois é pequena e às vezes mal enxerga o chão, tamanha quantidade de coisas que leva. Desengonçada, surge claudicante pelas dores nos joelhos, a voz suavemente oscilando entre a de menina e a de moça, as unhas roídas e o uniforme do colégio folgado, que não deixa transparecer suas novas e curvas formas. Espanta não pela aparência desleixada, mas pelo mundo de informações que carrega. Nem se sabe para quê ela carrega aquele violão, pois não sabe tocá-lo.

Espanta inclusive aquele rapaz de quem ela gosta, a quem não pode ver que se empolga na fala, e despeja-lhe os livros que leu, as óperas que ouviu, as músicas que lhe embalaram o sono e a vida. Ele sai, e ela, mesmo triste por ele tê-la deixado, resigna-se com um sorriso e agradece a sua presença.

Ela cresceu.

Lá vem agora aquela mulher, na flor de seus vinte e cinco anos, luzes no cabelo, as unhas ainda curtas, mas não tão rotas, e o bom e velho violão nas costas. Agora ela já sabe a diferença entre dó maior e lá menor, não mais espanta pela aparência, mas ainda por muita informação. Aprendeu a amar e a colocar as ideias em ordem. Aprendeu a ouvir, a falar, a compreender, a analisar e a tocar a alma pela voz.

Essa mulher, saltitando de alegria, carrega em si a beleza sensível e aveludada da orquídea. Sabe que tem a força, que suporta agora não só o violão, mas o mundo nas costas, e a vida em seu ventre. Essa mulher, que salta aos olhos com suas curvas formas agora aparentes e delicadamente envolvidas por um vestido estampado, gostosamente desabrocha para a vida, e a vida agradece por ela ser e existir.

sábado, 7 de março de 2009

Treze Anos

De eriçar-lhe os pelos e provocar-lhe o arrepio da alma e do coração, ele passou-lhe a mão pela cintura, apoiou a mão em seu quadril, disse-lhe gracejos e pediu-lhe um beijo. Foi-lhe negado em um primeiro momento, mas o arrepio que percorria o corpo dela dizia que era chegada a hora da renúncia ao passado, da entrega completa e da liberdade.

Ela sabia que amava verdadeiramente aquele homem que, mesmo depois de tantos anos, ainda despertava reações que ela mal compreendia, ou, se compreendia, não queria deixar-se levar. Talvez por insegurança, ao pensar que ele poderia rejeitá-la, ou pela sua pouca idade, mas agora, mulher feita, sabia que podia. Tinha nas mãos a volúpia de Rania, o poder dos trinta anos de Julia, a sedução de Violetta, mas o coração frágil de Cio-Cio-San.

Se poderia aproveitar, seria agora, não desperdiçaria mais uma vez a chance de roubar-lhe um beijo. Não precisou. As bocas se calaram e o pedido, novamente feito por ele, foi atendido. Naquele momento, a magia da divagação de quinze segundos antes do encontro os envolveu, o encanto foi quebrado e a comunicação, principal habilidade dos dois, desta vez não falhou, apenas mudou de verbal para a materialização da sensibilidade.

As palavras já não mais faziam diferença, pois finalmente suas bocas e seus corpos se encontraram, e o arrepio de coração contagiou aos dois e elevou-lhes o espírito em oração e agradecimento. Foram treze anos esperando, amando de longe, em silêncio. Treze anos amargados em amores mal amados, mal resolvidos, mal vividos.

Em uma noite, os treze anos de espera transformaram-se no mais puro, sincero e verdadeiro amor, em que a loquacidade de ambos foi calada com liberdade, respeito, carinho e pelas lágrimas de alegria por haverem se reencontrado.