Tal qual uma taça de cristal, o coração da jovem despedaçara-se. Fora presenteada com begônias pela manhã, e custava a acreditar que, com o decorrer amargo do dia, a cor daquelas flores fosse transformar-se em punhaladas verbais.
Já era tarde da noite. Desceu do automóvel, agradeceu o presente, mas não olhou para trás; ouviu o ruído ensandecido do atrito dos pneus contra o solo. Sozinha, atravessou a rua cabisbaixa, com uma lágrima ácida rolando pela face. Teve ímpeto de jogar as begônias, suas flores preferidas, contra o asfalto, mas não conseguia. Pensava nas duras palavras que ouvira, mas tinha a grandeza de superá-las com seu amor.
Era agora uma manhã de maio, céu muito azul, um vento frio e gostoso. Viam-se ambos em lados opostos da avenida. Fitam-se durante vários minutos, procuram a faixa de pedestres, mas ficam em dúvida ao decidirem atravessar.
O coração bate forte, os dois tremem, as lágrimas turvam-lhes a visão. Outros pedestres neles esbarram, reclamam por estarem parados, impedindo o trânsito. O sinal se fecha, e permanecem em mútua contemplação de sua imagem distorcida.
Novamente abre-se o sinal, e desta vez não vacilam. Correm para os braços um do outro, superando as palavras ásperas, e a voz, antes indelicada, era nesse momento suave, e gritavam seu amor entre a multidão.
Encontram-se no canteiro central e, com o abraço do perdão, dançam ao som da cidade que acorda, entre buzinas, automóveis e fumaça. A felicidade dos bailarinos ocasionais incomoda, mas fazem-se surdos e continuam seus passos desencontrados por entre as begônias do canteiro.
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