quarta-feira, 23 de junho de 2010

Como detonar uma noite em sete passos

Definitivamente assinei embaixo de uma coisa que sempre preguei: homem de balada não presta. Nunca tinha ficado com um e, após trinta e dois anos, dois casamentos e um período de solidão, resolvi experimentar para ver qual era. Antes tivesse ficado em casa cuidando do meu pai.

Cheguei à danceteria sozinha, pouco depois da meia-noite. Estava ainda tímida, dançando apenas agitando de leve o corpo, sem pretensões. Não gosto de aparecer, apesar de adorar dançar. Com quarenta minutos na pista, aproximou-se de mim um rapaz muito bonito, musculoso, cavanhaque... Logo eu, que tenho fetiche com barba! Ah, achei que estava arrasando. Realmente eu deveria estar, para ter atraído o tipo.

Sou mesmo muito tímida, exatamente por isso escolhi uma profissão na qual eu realmente não precisasse aparecer em lugar algum. Sou cronista de um jornal em Manaus, meu pai mora em Belo Horizonte e havia ido visitá-lo. Para essas viagens, sempre tenho um chip de celular da capital mineira para o caso de meu pai precisar falar comigo. Bendita hora que só uso esse chip por lá, porque assim desligo depois e não tenho que atender ninguém ao meu real celular de Manaus. Ao melhor estilo cafajeste, eu não assumo. Eu sumo.

Então, o moço perguntou se eu gostaria de dançar - logo o que eu detesto e faço questão de não aprender, que é o forró. Aceitei, pois não tinha nada melhor para fazer naquele momento, e então começamos a dançar e conversar. Ele era fisioterapeuta e tinha trinta e seis anos. Tinha um bom papo, uma voz bonita, mãos macias. Beijou-me, e naquele beijo ficamos cerca de dois minutos.

De repente, alguém joga cerveja para cima e os respingos atingem o meu braço. Nem liguei, limpei na roupa mesmo, e o rapaz ficou maluco. Cutucou o amigo com quem estava e ficou procurando quem poderia ter sido o autor da brincadeira. Abri um olho enorme, imaginando o começo de uma confusão. Não chegou a ocorrer, porque brinquei com a situação e disse que aquilo era coisa de argentino, que não suporta brasileiro se divertindo, era para deixar para lá. Mineirinho esquentado aquele! Característica número um: brigão.

Beijo vai, beijo vem, uma dançarina de rumba subiu ao palco. Eu estava abraçada com o rapaz, e a dançarina me puxou para cima do palco, e puxou outro rapaz que estava com outra menina e nos fez dançar juntos. Até aí tudo bem. Terminada a dança, agradeci ao rapaz e fiz descer por um lado do palco e ele pelo outro. O mineirinho esquentado foi atrás do rapaz com quem dancei só para dizer "vaza, véi!" com a articulação mais precisa do mundo. Característica número dois: ciumento.

Continuamos a conversar. Ele me pergunta como é a questão de namorados, ficantes e afins em Manaus. Respondi que havia sido casada duas vezes. Ele vai e me solta esta: "Safada você, hein!" Ao que redargui: "Safados foram os dois que me largaram." Ele percebeu que engelhei a cara e logo me puxou para perto, antes que eu mudasse de ideia. Característica número três: babaca.

Aí eu já não estava mais tão à vontade. Ainda bem que começou a tocar frevo e eu saí como louca pela pista, dançando e pulando. Ele achou graça, pois nunca tinha visto ninguém dançando frevo assim de perto, foi me perguntando onde tinha aprendido a dançar, como era minha vida social normalmente. Respondi que aprendi nos vários locais que frequentei e em que morei. Inclusive que tinha me batido uma saudade danada da El Huevo, de Santiago, onde toca música de tudo quanto é jeito. Perguntei se ele já havia ido a Santiago, ele disse que não, que só conhecia a Europa e que não era muito afeito à América do Sul. Característica número quatro: arrogante.

Ao som de I will survive saí rodando pela pista. Tive que dar uma de doida - eu sou tímida e não tinha bebido! A sorrir, ele ficou me observando encostado num pilar do ambiente, com os braços cruzados e aquele "olhar 43". Eu não sabia se ria ou se chorava. Ele me puxou para perto e perguntou: "você bebeu todas antes de vir para cá, né?" Respondi que estava dirigindo e este tipo de loucura eu não costumo cometer. Característica número cinco: fala do que não sabe.

Ele não estava achando interessante o fato de eu querer ter ido ali só para dançar. A todo instante me puxava para perto. Acabou que já que eu estava ali mesmo, o beijei de novo só para não ter que ouvir mais besteiras. Qual o quê! Ele me pergunta quando volto a Manaus, eu digo que dentro de vinte e quatro horas; ele vai e me larga esta no ouvido: "adoraria transar com você antes de você ir embora." E eu com aquela cara de "uotarrél" ou, em português claro e simples, "cuméquié?", fingi que não ouvi e ele repetiu com outras palavras: "adoraria fazer amor com você antes de você ir embora." Pronto. Matou a noite. E ainda emenda: "tenho chance?" Sorri e fui apenas educada: "tecnicamente." Característica número seis: apressadinho.

Já sob o embalo do samba, trocamos telefone (o chip de Belo Horizonte, é óbvio) e ele passa as pontas dos dedos pelo meu rosto, fazendo como uma letra S. "É minha marca registrada, nenhum homem vai fazer isto com você." Repetiu o gesto sobre a minha boca com a ponta do dedo indicador. Característica número sete: idiota. Ou seria infantil?

Ele foi embora, insistindo para que eu fosse com ele, mas fiquei por lá mesmo, para dançar mais um pouco. Lembram-se da característica número dois? Pois é, a pergunta fatal: "veja se não vai me trair aí dentro, hein!" Sim, pode deixar. Não vou. Até porque é só agora que eu vou conseguir dançar sem você ficar me pegando. Coisa mais chata!

"E aí, quando você volta a Belo Horizonte?" - e eu, mais que depressa: "até pensei em vir morar aqui, mas agora estou com a certeza absoluta de que devo voltar é para Santiago." Se ele não entendeu esta, paciência. Eu ali falando que era melhor estar em outro país que perto dele e ainda assim ele não entendeu! Característica número oito? Sim. Eram sete passos, mas este posso considerar o oitavo: burro.

No dia seguinte, lá está meu telefone tocando. Era ele. Se eu atendi? Desliguei o telefone, retirei o chip e entrei na sala de embarque quando a voz de Iris Lettieri anunciou meu voo de volta com conexão em Brasília.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Prosa moderna

Caio diz:

- Oi, lindinha! Dançou muito ontem?

Mariana diz:

- dancei sim

Caio diz:

- Hmmmm... legal. Podemos marcar de novo com a turma, que acha?

Mariana diz:

- claro sem problema

Caio diz:

- Mari, você tá com algum problema?

Mariana diz:

- naum so to vendo umas coisas aqui

Caio diz:

- Para quem dançou tanto ontem... estou te achando esquisita.

Mariana diz:

- tou naum eh soh saudade

Caio diz:

- De quem?

Mariana diz:

- de vc, do seu geito

Caio diz:

- Ah, Vinícius. Chega. Já sei que é você.

Mariana diz:

- q vinicius? ele nem ta aqui

Caio diz:

- Vinícius, a Mariana jamais escreveria JEITO com G!!!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Sou louco por você

Havia uns quarenta minutos que eu estava dançando freneticamente depois de umas boas doses de vodca com energético. Aquela brasileirinha não parava de olhar para mim. Chamei-a para perto, dançamos muito e nos beijamos ardentemente. O mais interessante é que eu, estrangeiro, sambava melhor que ela. Ela perguntou:

- Você não acha que nasceu no país errado, não?

- Nasci no país certo... só atravessei a América do Sul para vir te buscar.

Ela explodiu na gargalhada. Beijou-me mais uma vez e saiu da pista.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Camaleão

escondo-me entre a folhagem
verde comum usual e normal
saio correndo quando sinto perigo
de longe somente observo

mimetizado permaneço parado
viro cor de flor
cor de horror
cor de amor
cor de qualquer cor
volto quando já passou

arisco sou

puseram-me um espelho à frente
fiquei branco
não vi que era assim
pontas
dedos
curvas
entalhes
pele
casca

não gostei do que vi
saí correndo de novo

terça-feira, 1 de junho de 2010

Hoje me dei uma rosa


"Toda mulher gosta de rosas e rosas e rosas
Acompanhadas de um bilhete me deixam nervosa
Toda mulher gosta de rosas e rosas e rosas
Muitas vezes são vermelhas, mas sempre são rosas"

(Ana Carolina/Totonho Villeroy)

Outro dia enviaram-me de novo aquele famoso e-mail da mulher que recebe rosas e não é nenhum dia especial. Ela recebeu porque apanhou tanto do marido que morreu. Estou, na realidade, farta de receber essas correntes "pela vida": esta mulher que morre pela violência doméstica; aquela moça cuja mãe falou para não beber e ela só tomou refrigerante e, mesmo assim, um bêbado bateu no carro dela e ela morreu; as Nizildinhas da vida, cujo tratamento de câncer na rebimboca da parafuseta do ângulo pontoencefaloduodenal depende de você repassar a corrente para trezentas mil pessoas... As causas são nobres, mas a consciência é minha, e dá preguiça entupir a caixa postal alheia com bobagens.

Agora vêm aqueles críticos chatos e com o coração cheio de amor para dar e dizem "nossa, que cronista mais insensível!". Podem dizer à vontade. Não sou insensível, sou prática. Depois de anos de internet, certamente sei diferenciar os tipos de mensagem que recebo, e seleciono-as com muito critério antes de repassar, ainda mais se estiverem falando de violência, doenças e toda sorte de coisas ruins.

Voltando à mulher que recebeu rosas. Desta vez esta mulher sou eu. Hoje fui eu que recebi uma rosa. De mim mesma. Almocei no Mercado Central, nos botecos que avivam Belo Horizonte, em meio aos pássaros, flores, cestos, empadas e cachaça, ouvindo ao longe a sinfonia do trânsito caótico da rua Curitiba.

Placidamente tomei uma dose de cachaça que virei num copo de limonada suíça. Eu estava adorando a minha companhia. Conversava com meus pensamentos e ria das ideias que me vinham à cabeça, inclusive a desta crônica. Saí de casa linda, usando saia, meia-calça preta e salto alto. Usei minha melhor maquiagem, caprichei na produção. Comprei um vestido lindo para usar num evento mais tarde. Ah, os brincos que comprei também são maravilhosos. Tudo isso para quem? Para mim. Eu mereço. E enquanto ainda aproveitava minha própria companhia e saboreava minha limonada alcoólica, me desliguei completamente dos problemas do trabalho. Eu estava adorando estar ali para mim mesma, dando gosto de me olhar ao espelho. Mulher que recebe rosas pela morte? Sou uma que celebra a vida.

Levantei da mesa, paguei e fui andando devagar pelos corredores do Mercado. Parei em uma floricultura e comprei uma rosa. Trouxe para o escritório e todos ficaram me perguntando de quem a ganhei. Respondi, sorrindo: "de mim mesma". Não sou ruim ou insensível por não pensar nos outros, muito menos os das correntes cibernéticas, e gostar bastante de mim.

Hoje, cantando, eu me dei uma rosa. Estou celebrando a vida.