Lá vem ela, a meninota de dezesseis anos, com dor nas costas, de carregar pasta, sacola, livro, violão. Tropeça nos degraus das escadas, pois é pequena e às vezes mal enxerga o chão, tamanha quantidade de coisas que leva. Desengonçada, surge claudicante pelas dores nos joelhos, a voz suavemente oscilando entre a de menina e a de moça, as unhas roídas e o uniforme do colégio folgado, que não deixa transparecer suas novas e curvas formas. Espanta não pela aparência desleixada, mas pelo mundo de informações que carrega. Nem se sabe para quê ela carrega aquele violão, pois não sabe tocá-lo.
Espanta inclusive aquele rapaz de quem ela gosta, a quem não pode ver que se empolga na fala, e despeja-lhe os livros que leu, as óperas que ouviu, as músicas que lhe embalaram o sono e a vida. Ele sai, e ela, mesmo triste por ele tê-la deixado, resigna-se com um sorriso e agradece a sua presença.
Ela cresceu.
Lá vem agora aquela mulher, na flor de seus vinte e cinco anos, luzes no cabelo, as unhas ainda curtas, mas não tão rotas, e o bom e velho violão nas costas. Agora ela já sabe a diferença entre dó maior e lá menor, não mais espanta pela aparência, mas ainda por muita informação. Aprendeu a amar e a colocar as ideias em ordem. Aprendeu a ouvir, a falar, a compreender, a analisar e a tocar a alma pela voz.
Essa mulher, saltitando de alegria, carrega em si a beleza sensível e aveludada da orquídea. Sabe que tem a força, que suporta agora não só o violão, mas o mundo nas costas, e a vida em seu ventre. Essa mulher, que salta aos olhos com suas curvas formas agora aparentes e delicadamente envolvidas por um vestido estampado, gostosamente desabrocha para a vida, e a vida agradece por ela ser e existir.
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