quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A poesia de um beijo nos sonhos de um escritor

— Dorme, meu anjo. Tomaste uma ou duas doses de vodca, e um gostoso sono apoderou-se de ti. Enquanto escrevias, teus olhos foram ficando diminutos, teus óculos embaçados e tua cabeça pesada. O devaneio do sonho confundia-se com teus personagens do papel. O vento acariciava teus grisalhos cabelos, enquanto as minhas mãos percorriam a tua macia face.

— E eu, bêbado de carinhos macios, dancei com meus monstros cruéis. Trouxe à tona os disfarces depressivos de outras épocas. E por que fiz isso? Para sorrir de frente para eles. Para dançar, rodopiar e apresentá-los a você. Ensiná-los nossa coreografia. Brindar a noite e os sorrisos maliciosos. Matá-los... de pura inveja.

— Continuei a velar teu sono e a contemplar o movimento dos teus olhos sob as pálpebras. Estavas feliz e sereno como quem encontra a amada num lindo dia de sol. Um discreto sorriso estava impresso na tua face, que me fazia imaginar quem e o que terias encontrado em teus sonhos, que volta e meia te despertavam e viravam pessoas, imagens, paisagens.

— Copiei as linhas mais bonitas de meus textos e escrevi sobre a pele de suas coxas. Li meus versos sacanas e joguei estrofes, esparramadas em suas costas. Tive em minhas mãos prosas e contos que me levaram ao toque de seus lábios. Não era mais sonho...

— Entreguei-me à doçura de tuas letras, ao sabor de tuas palavras e ao abraço de tuas deliciosas frases. Como uma pena, a sensibilidade de teus escritos deslizava sobre a minha pele o mais gostoso veneno, e cada vírgula era um arrepio que me percorria o dorso.

— Em cada frase muda que saía de seus gestos, a música dos gemidos dispersos, embebedados em nossos beijos recém descobertos. Entreabertos, os lábios cantavam suspiros que deslizavam pelos olhos semicerrados, procurando ver, na escuridão do quarto, o prazer que nascia de nossas composições profanas.

— Então adormeço embevecida por teus beijos, teus gestos. Já não me vejo longe da tua pele, igualmente enfeitada pelos meus poemas mais profundos, meus desejos mais recônditos, meus sabores mais intensos. Enquanto adormeço, junto com o vento acaricio teus cabelos... Dorme, meu anjo.

* Parceria de Glaucia Piazzi e M. D. Amado

Nenhum comentário:

Postar um comentário