Vinha do mar
A brisa que trouxe teu perfume
Atravessa o continente
E me traz a paz feliz da tua presença
Vinha do mar
A brisa do teu perfume
Que ainda hoje está nas minhas mãos
Vinha do mar aquela brisa
Viña del Mar
domingo, 28 de março de 2010
terça-feira, 23 de março de 2010
Necessária solidão
"Ansiedad de piloto, furia de buzo ciego,
turbia embriaguez de amor, todo en ti fue naufragio!"
turbia embriaguez de amor, todo en ti fue naufragio!"
(Pablo Neruda - "La canción desesperada")
Saiu de um relacionamento super conturbado, em que o sujeito era um grude, ciumento até o tucupi, ligava demais, cobrava demais e, para ele, amar era sinônimo de sofrer. Ela até chegou a dizer a ele algumas vezes que não sabia porque ele sofria por ela, já que ela sempre fora fiel e estava com ele. Mas não, ele queria mais. Queria sugar não só o seu dinheiro, não só o seu corpo, mas também o seu espírito livre. E percebeu, com o tempo, que era ela quem deixava a situação ser conduzida por ele.
Podia resumir o relacionamento de nove meses no seguinte: nos três primeiros chorava, morria de culpa, fazia coisas ridículas para satisfazê-lo; nos três do meio ela já batia de frente, não aceitava as coisas tão facilmente, apesar de sustentá-lo de certa forma, porque o sujeito era incapaz de arrumar um emprego decente e, quando arrumava, achava tudo ruim; já nos três últimos ela batia nele. Certa vez, um lavador de carros teve que segurá-la, senão ela ia matar o encosto. E quando a coisa descamba para a agressão física, acabou o respeito. E, se acabou o respeito, é porque o amor foi embora muito antes. Ou nem veio.
Uma reflexão profunda sobre os seus sentimentos. Tomou um choque porque, no fundo, sempre soube que nem chegou a amar esse homem mesmo... Algumas vezes o sangue se esvaiu de seu rosto quando ele dizia "eu te amo", e ela respondia o mesmo de forma automática, mais pela expectativa dele e para não decepcioná-lo que pelo sentimento em si. Ela gostava dele, apaixonou-se, e agora percebia que não o amara. E, para completar, vivendo agora o luto que não se permitiu viver em outras épocas. Seu péssimo hábito de emendar um relacionamento no outro não a permitiu perceber o quanto era importante ficar um tempo consigo mesma e avaliar seus sentimentos antes de entregar seu coração a outrem.
Um grande amigo chamou-lhe a atenção para este fato quando ela escreveu um poema em que mata o ex-namorado. Aí foi outro momento de choque: ela percebeu que ainda estava muito ferida e magoada, não pela saudade, porque isso não sentiu nem uma vez, mas só sentiu falta do sexo, que era excelente, na primeira semana. Felizmente tinha amigos ótimos e que a apoiaram muito. Ela ainda estava magoada pela exploração financeira, física e psicológica. Estava magoada consigo mesma pela idiotice que se permitiu. Logo ela, tão cheia de predicados, se enrabichar por algo que definitivamente não valia a pena.
Quando se tem trinta anos, a gente já consegue separar bem o que é sexo, amor, paixão, desejo, cirrose... E também, segundo as palavras de seu grande amigo, a gente acaba entregando nosso coração a outrem por fuga, e não por amor. E machuca demais quem está com a gente. Então, no momento, ela está quieta, mas não totalmente em paz.
Ele tentou fazer com que ela pedisse demissão, ficava na casa dela no fim de semana de oito da manhã às vinte e duas horas, para ter certeza de que ela estaria suficientemente cansada para não sair para a rua [procurar macho]. Quando estava lá, ficava no pé dela, não a deixava conversar com seus pais. Ele a acusava de complô quando ela conversava com eles. Pergunta oportuna: que complô?
Se há uma coisa que ela adora fazer desde criança é lavar carro. Nem isso ele a deixava fazer, porque queria ficar pendurado em seus lábios. Mas ela o largava e ia lavar o carro no domingo sim, senhor, porque usa e tem mais é que cuidar. Se o carro dele era todo problemático porque ele não cuidava, achava que era só usar e estava tudo certo, é um problema dele. Hoje em dia ela ri, e daria tudo para ele vê-la de minissaia calibrando pneu e pondo água no reservatório do radiador.
Certa vez ela precisou fazer uma prova em outro Estado, e ele quis porque quis ir com ela, ia dar um jeito de matar o dia de trabalho para acompanhá-la, mas não teve jeito. Ela comprou a passagem e somente informou a ele que iria. Enfrentou quatorze horas de viagem e enfim descansou. Foi seu primeiro momento em paz sem ouvir a voz dele. Fez a prova, dormiu como um anjo, não teve que suportar ele pedindo para que o masturbasse; retornou, e na volta as mensagens que ele havia mandado no celular se acumularam, sendo recebidas somente quando ela entrou novamente em seu Estado. Uma delas chamava a ausência de resposta como "silêncio conveniente". Não passou pela cabeça dele a falha de comunicação natural quando se está fora de área. Quando ela desembarcou, rumaram para um motel. Ele fez amor, ela fez sexo. Olhando para o teto. E decidiu que era a hora de acabar com aquilo tudo.
Ele tocou em seus brios quando tentou fazer com que ela desistisse de seu maior sonho. Ele queria que ela escolhesse entre ele e a profissão. Já estavam terminados, e ela pediu o favor de levá-la a alguns lugares para buscar uns documentos, pois ele estava de moto e o deslocamento seria mais fácil assim às dezoito horas. Ele ficou sem lugar, pois, quando ela adentrou o aeroclube, ele não sabia o que fazia, pois só tinha homem lá e o "pior": todos a conheciam. Depois tentou discutir com ela relação que já tinha acabado. E conseguiu, despertando o que de pior havia nela, a mais corrosiva inimiga que se poderia imaginar.
Alguns dias depois, ela foi para a cabeceira da Pampulha, observar os pousos e decolagens. Precisava daquele tempinho para processar a raiva de si e a raiva dele. Na volta, passou em frente à casa dele para saber o que ia sentir. Desta vez não sentiu nada. Estava processando melhor os acontecimentos. Mas sua liberdade ninguém tira. Ela ainda é uma alma alada.
Hoje ela conseguiu pronunciar o nome dele sem se irritar, sem se arrepiar. Ir namorar aviões fez um bem danado a ela. E só depois de um tempo é que ela aprendeu que não tem que mudar só para agradar o outro. E que a solidão se faz necessária, porque faz bem estar consigo mesma. Faz bem se bastar. E ainda há de chegar o estado de graça e de paz.
segunda-feira, 22 de março de 2010
Café
Ai, café!
Como amo esse neguinho gostoso! O cheiro que invade as narinas e toma conta da sala só é comparável em força ao do chocolate. De vez em quando desço do céu para pilotar fogão. E ali eu experimento a trufa, derreto o chocolate meio amargo com um pouco de creme de leite e, claro, a vodca para conservar e dar sabor. A de café é um pouco diferente, feita com chocolate branco e café solúvel. Um sabor incomparável.
Incomparável ainda é este cheiro na minha sala. A fumaça branca subindo da cafeteira parece um gênio sendo libertado da lâmpada. Gênio, definitivamente, foi o sujeito que descobriu que, torrados e moídos, os grãos vermelhos e firmes tinham um aroma inigualável, que atravessou séculos e gerações.
Incomparável é pensar que é algo tão comum em nossa vida, tão pouca quantidade, mas que faz uma diferença danada. Revigora, esquenta o corpo, aquece a alma. Faz levantar ideias, pensamentos, ações. Faz levitar.
Incomparável é a força que ele traz. O paladar refinado procura notas de chocolate, frutas e madeiras, tal qual um bom vinho. Vinho é bom, mas às vezes dá sono. Café dá vida.
Incomparável é a capacidade que ele tem de reunir as pessoas logo no começo do dia, seja no trabalho ou em casa. Café é o singular e perfeito acompanhante de leite, pão, requeijão, suco. Ele reina absoluto. As pessoas habitualmente não dizem "vou comer um pão". Dizem, à hora do lanche, "vou tomar um café".
Continuo amando o chocolate, mas o café tem o seu lugar especial. Já ganhei muitos presentes nesta vida. Certamente o melhor deles foi uma xícara de um delicioso café, feita com todo o carinho do mundo, na manhã do meu aniversário.
Como amo esse neguinho gostoso! O cheiro que invade as narinas e toma conta da sala só é comparável em força ao do chocolate. De vez em quando desço do céu para pilotar fogão. E ali eu experimento a trufa, derreto o chocolate meio amargo com um pouco de creme de leite e, claro, a vodca para conservar e dar sabor. A de café é um pouco diferente, feita com chocolate branco e café solúvel. Um sabor incomparável.
Incomparável ainda é este cheiro na minha sala. A fumaça branca subindo da cafeteira parece um gênio sendo libertado da lâmpada. Gênio, definitivamente, foi o sujeito que descobriu que, torrados e moídos, os grãos vermelhos e firmes tinham um aroma inigualável, que atravessou séculos e gerações.
Incomparável é pensar que é algo tão comum em nossa vida, tão pouca quantidade, mas que faz uma diferença danada. Revigora, esquenta o corpo, aquece a alma. Faz levantar ideias, pensamentos, ações. Faz levitar.
Incomparável é a força que ele traz. O paladar refinado procura notas de chocolate, frutas e madeiras, tal qual um bom vinho. Vinho é bom, mas às vezes dá sono. Café dá vida.
Incomparável é a capacidade que ele tem de reunir as pessoas logo no começo do dia, seja no trabalho ou em casa. Café é o singular e perfeito acompanhante de leite, pão, requeijão, suco. Ele reina absoluto. As pessoas habitualmente não dizem "vou comer um pão". Dizem, à hora do lanche, "vou tomar um café".
Continuo amando o chocolate, mas o café tem o seu lugar especial. Já ganhei muitos presentes nesta vida. Certamente o melhor deles foi uma xícara de um delicioso café, feita com todo o carinho do mundo, na manhã do meu aniversário.
domingo, 21 de março de 2010
Ritalina com bobagem
A minha bobagem é sem ritalina mesmo, porque sóbria é mais gostoso de se fazer as coisas. Por isso resolvi começar o meu dia com uma oração.
“Pai nosso que estais no céu, meu pai não é piloto, ele é mecânico. Santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino. Complicado isso, fica parecendo aquelas conquistas medievais, um rei invadindo o reino do outro, castelo, dragão, princesa... Onde eu estava mesmo? Ah, sim, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. É, piloto, quando está em terra, fala de avião, quando está em voo, fala de mulher. Bobagem danada, gente. Eu queria, a uma hora desta, estar em comando para ver na prática mesmo o nível de cruzeiro. Por isso que atleticano nunca é piloto, para não ter que se manter em nível de Cruzeiro. A propósito, o jogo do América foi ótimo, pena que o juiz tenha roubado tanto. Tadinho do Mequinha, tão injustiçado! Nossa, viajei. O pão nosso de cada dia nos dai hoje... Putz! Lembrei que tenho que pagar o seu Manoel da padaria! Ah, não faz mal, amanhã eu vou lá e aproveito para fazer a unha com a dona Judite. Só que os esmaltes dela estão ruins, vou sugerir comprar uns novos, tem umas cores bonitas que saíram estes dias, última moda. Ah... ahmmm... é... tá. Amém.”
* Texto originalmente publicado no blog http://ritalinacombobagem.blogspot.com
“Pai nosso que estais no céu, meu pai não é piloto, ele é mecânico. Santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino. Complicado isso, fica parecendo aquelas conquistas medievais, um rei invadindo o reino do outro, castelo, dragão, princesa... Onde eu estava mesmo? Ah, sim, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. É, piloto, quando está em terra, fala de avião, quando está em voo, fala de mulher. Bobagem danada, gente. Eu queria, a uma hora desta, estar em comando para ver na prática mesmo o nível de cruzeiro. Por isso que atleticano nunca é piloto, para não ter que se manter em nível de Cruzeiro. A propósito, o jogo do América foi ótimo, pena que o juiz tenha roubado tanto. Tadinho do Mequinha, tão injustiçado! Nossa, viajei. O pão nosso de cada dia nos dai hoje... Putz! Lembrei que tenho que pagar o seu Manoel da padaria! Ah, não faz mal, amanhã eu vou lá e aproveito para fazer a unha com a dona Judite. Só que os esmaltes dela estão ruins, vou sugerir comprar uns novos, tem umas cores bonitas que saíram estes dias, última moda. Ah... ahmmm... é... tá. Amém.”
* Texto originalmente publicado no blog http://ritalinacombobagem.blogspot.com
sábado, 20 de março de 2010
sexta-feira, 19 de março de 2010
Os trinta anos de Julia
Tinha nas mãos o poder dos trinta anos de Julia.
E tinha mesmo. Era uma mulher bonita, decente, estudada. Conheceu os melhores restaurantes, as melhores escolas, era fluente em três idiomas. Trabalhava muito e com afinco, era dedicada em tudo aquilo a que se propunha fazer. E com essa mentalidade atraiu as melhores pessoas para sua vida, exceto os amores. Tinha os melhores amigos, mas nunca dera sorte, ou sabe-se lá porque, atraía sempre os piores homens, em especial os “lobos em pele de cordeiro”.
Tinha nas mãos a sedução de Violetta.
Ah, sedutora! Isso ela sabia ser, como Violetta Valéry de La Traviata. Requebrava como ninguém, sabia se fazer notar. Não precisava dizer nada, apenas com o olhar estava a sorte lançada. Todos os homens se encantavam por ela e dançavam ao seu redor, e ela só tinha o trabalho de escolher um. Mas tinha o dedo podre. "Libiamo!"
Tinha nas mãos a volúpia de Rania.
A amazonense Rania, de Milton Hatoum, é perfeita para descrevê-la em capacidade de administração e delícia de mulher que era. Era gostosa, podemos dizer assim. E sabia como ninguém controlar os gastos, os custos, o que e quando comprar, o que investir na empresa. E errou feio quando se permitiu um incesto. Pelo menos é o que conta Omar, seu outro irmão.
Além disso, vinha de brinde o coração frágil de Cio-Cio-San.
Cio-Cio-San foi uma boba que ficara esperando por um Pinkerton que nunca vinha. Mudara hábitos, costume, religião, tudo para agradar àquele que nunca dera valor aos seus sacrifícios. Assim era nossa heroína. A bondade que deste coração fluía era tamanha que não media esforços para ajudar a quem amava. Hoje em dia, arrepia-se a tal ponto quando escuta o nome do último que a fez sofrer que a ereção dos pelos chega a doer e seus olhos ficam marejados.
Fragmentos de um coração bom, mas que se permitiu amar poucas vezes. Como Violetta, seduziu aquele que achava que a faria contente; com a delícia de Rania o conheceu em uma noite; com o coração de Cio-Cio-San entregou o que de mais precioso havia em si. E corroeu-se no ódio quando percebeu que tanto esforço, tanto estudo e tanto sacrifício não serviram de nada. Foi caindo em si, e aos poucos se apercebeu de que estava junto de um psicopata, que tinha prazer em vê-la sofrer. Não agiu como Cio-Cio-San, suicidando-se quando Pinkerton se foi com a esposa americana. Preferiu continuar a vida como Julia. E tinha que perdoar a si mesma pelas atrocidades que permitiu que com ela fizessem.
Julia, sem acento mesmo. A Julia de Honoré de Balzac, aquela que, sem dó nem piedade, chuta o balde quando se dá conta de que a maior besteira que fizera foi se casar sem estar totalmente entregue àquele amor de corpo e alma. Foi bobinha e agora se notou mulher. Precisava e merecia recomeçar.
Amanhã nossa heroína sopra velas, e com elas vem o inconfundível, espetacular e austero poder dos trinta anos de Julia.
E tinha mesmo. Era uma mulher bonita, decente, estudada. Conheceu os melhores restaurantes, as melhores escolas, era fluente em três idiomas. Trabalhava muito e com afinco, era dedicada em tudo aquilo a que se propunha fazer. E com essa mentalidade atraiu as melhores pessoas para sua vida, exceto os amores. Tinha os melhores amigos, mas nunca dera sorte, ou sabe-se lá porque, atraía sempre os piores homens, em especial os “lobos em pele de cordeiro”.
Tinha nas mãos a sedução de Violetta.
Ah, sedutora! Isso ela sabia ser, como Violetta Valéry de La Traviata. Requebrava como ninguém, sabia se fazer notar. Não precisava dizer nada, apenas com o olhar estava a sorte lançada. Todos os homens se encantavam por ela e dançavam ao seu redor, e ela só tinha o trabalho de escolher um. Mas tinha o dedo podre. "Libiamo!"
Tinha nas mãos a volúpia de Rania.
A amazonense Rania, de Milton Hatoum, é perfeita para descrevê-la em capacidade de administração e delícia de mulher que era. Era gostosa, podemos dizer assim. E sabia como ninguém controlar os gastos, os custos, o que e quando comprar, o que investir na empresa. E errou feio quando se permitiu um incesto. Pelo menos é o que conta Omar, seu outro irmão.
Além disso, vinha de brinde o coração frágil de Cio-Cio-San.
Cio-Cio-San foi uma boba que ficara esperando por um Pinkerton que nunca vinha. Mudara hábitos, costume, religião, tudo para agradar àquele que nunca dera valor aos seus sacrifícios. Assim era nossa heroína. A bondade que deste coração fluía era tamanha que não media esforços para ajudar a quem amava. Hoje em dia, arrepia-se a tal ponto quando escuta o nome do último que a fez sofrer que a ereção dos pelos chega a doer e seus olhos ficam marejados.
Fragmentos de um coração bom, mas que se permitiu amar poucas vezes. Como Violetta, seduziu aquele que achava que a faria contente; com a delícia de Rania o conheceu em uma noite; com o coração de Cio-Cio-San entregou o que de mais precioso havia em si. E corroeu-se no ódio quando percebeu que tanto esforço, tanto estudo e tanto sacrifício não serviram de nada. Foi caindo em si, e aos poucos se apercebeu de que estava junto de um psicopata, que tinha prazer em vê-la sofrer. Não agiu como Cio-Cio-San, suicidando-se quando Pinkerton se foi com a esposa americana. Preferiu continuar a vida como Julia. E tinha que perdoar a si mesma pelas atrocidades que permitiu que com ela fizessem.
Julia, sem acento mesmo. A Julia de Honoré de Balzac, aquela que, sem dó nem piedade, chuta o balde quando se dá conta de que a maior besteira que fizera foi se casar sem estar totalmente entregue àquele amor de corpo e alma. Foi bobinha e agora se notou mulher. Precisava e merecia recomeçar.
Amanhã nossa heroína sopra velas, e com elas vem o inconfundível, espetacular e austero poder dos trinta anos de Julia.
quinta-feira, 18 de março de 2010
Senti falta do teu boa-noite
Quando adormeci calada e cansada
Escutei milhares de vozes
E a tua não estava entre elas
Perdida fiquei entre ruas e avenidas
E luzes e conversas e faróis
Senti falta do teu boa-noite
E saí para procurá-lo pela cidade
Ouvi música
Senti cheiros
Esbarrões de braços e bolsas
Caminhei pela calçada
E pelo meio da rua
Retirei os sapatos e descansei numa guia
Tudo porque senti falta do teu boa-noite
E ainda não consegui encontrá-lo
Perambulei pelo parque
Pisei descalça a grama
Permiti que a Lua me banhasse com sua luz
E fui andando a esmo até entrar no nosso quarto
Procurando ainda o teu boa-noite
Rolei na cama
Ainda não tinhas me dado boa-noite
E então vi pela janela um avião caindo
O estrondo da queda me acordou
Era só um coincidente trovão
Acordei assustada na cama vazia
Sentindo falta do teu boa-noite
Escutei milhares de vozes
E a tua não estava entre elas
Perdida fiquei entre ruas e avenidas
E luzes e conversas e faróis
Senti falta do teu boa-noite
E saí para procurá-lo pela cidade
Ouvi música
Senti cheiros
Esbarrões de braços e bolsas
Caminhei pela calçada
E pelo meio da rua
Retirei os sapatos e descansei numa guia
Tudo porque senti falta do teu boa-noite
E ainda não consegui encontrá-lo
Perambulei pelo parque
Pisei descalça a grama
Permiti que a Lua me banhasse com sua luz
E fui andando a esmo até entrar no nosso quarto
Procurando ainda o teu boa-noite
Rolei na cama
Ainda não tinhas me dado boa-noite
E então vi pela janela um avião caindo
O estrondo da queda me acordou
Era só um coincidente trovão
Acordei assustada na cama vazia
Sentindo falta do teu boa-noite
quarta-feira, 17 de março de 2010
Teu sorriso de girassol
Alimentei meu pássaro com sementes de girassol
Ele comia
E na terra algumas deixava cair
Girassol brotou
E sua vida se fez presente
Cresceu com a graça de todas as flores
E o amarelo por Deus pintado em suas pétalas
Lá estava seu sorriso lindo e certo
Tingindo de alegria o meu dia
Girassol cresceu e seus braços abriu
Abraçou o jardim e elevou ao sol as sépalas
Sorriu
E com o calor em seu rosto cantou
E encantou o jardim com sua voz de contralto
Girassol um dia calou-se
E fez com que todo o jardim chorasse
As rosas, as gérberas, os lírios, os cravos
Todos sucumbiram ao silêncio do girassol
Girassol, sorriso de luz e calor
Apenas deu um adeus temporário
Subiu ao céu para ficar ao lado do sol
E de lá manda todos os dias um beijo com amor
Alimentei meu pássaro com sementes de girassol
Ele comia
Deixava cair e algumas brotavam
E nenhuma será como aquela flor linda que se foi
Com seu eterno sorriso de Gi-rassol
* Dedicado a Gizelle Reis Beirigo Dutra.
Ele comia
E na terra algumas deixava cair
Girassol brotou
E sua vida se fez presente
Cresceu com a graça de todas as flores
E o amarelo por Deus pintado em suas pétalas
Lá estava seu sorriso lindo e certo
Tingindo de alegria o meu dia
Girassol cresceu e seus braços abriu
Abraçou o jardim e elevou ao sol as sépalas
Sorriu
E com o calor em seu rosto cantou
E encantou o jardim com sua voz de contralto
Girassol um dia calou-se
E fez com que todo o jardim chorasse
As rosas, as gérberas, os lírios, os cravos
Todos sucumbiram ao silêncio do girassol
Girassol, sorriso de luz e calor
Apenas deu um adeus temporário
Subiu ao céu para ficar ao lado do sol
E de lá manda todos os dias um beijo com amor
Alimentei meu pássaro com sementes de girassol
Ele comia
Deixava cair e algumas brotavam
E nenhuma será como aquela flor linda que se foi
Com seu eterno sorriso de Gi-rassol
* Dedicado a Gizelle Reis Beirigo Dutra.
domingo, 14 de março de 2010
Desejo Macabro
Quero beber e me perder por esta madrugada
Afogar-me em todos os copos de álcool
Passear por entre corpos manchados de sangue
Quero vomitar no teu corpo e na tua carne
Quero fazer da tua morte a minha glória
Empurrar-te do alto da serra
Juntar-te aos corpos que estão manchados
Na tua cabeça errante
Eu deveria querer morrer sobre uma bandeja
Ser carregada e devorada por ti
Sei que desejas uma ceia do meu corpo
Daí me devoras para não me veres mais
Quero violentar as cercas da tua alma
Violentar-te, empalar-te
Massacrar-te com minhas níveas mãos
É meu macabro desejo
Morder a tua boca e arrancar-te os dentes
Um beijo para sugar-te a vida
Eu te amei e hoje te odeio
Tentaste devorar não só minha carne
Mas junto foi o pão que o diabo amassou
Faço tudo que meu desejo permite
Estripo-te
Dou tua carne aos abutres
Passas por tudo e entendes minha história
Porque um dia te amei e hoje te odeio
Por este desejo macabro
Levo-te aos confins do mundo
Voamos por sobre os corpos manchados
E moribundo que estás ali ficas
Porque não conseguiste me devorar
Minha alegria é a minha vingança
Pois cada vez que te peguei pela mão
E voamos por sobre o vale das sombras
Joguei-te ao subsolo do sentimento e ali ficaste preso
E eu continuo meu voo sozinha
E em paz sem a tua maldita companhia
Afogar-me em todos os copos de álcool
Passear por entre corpos manchados de sangue
Quero vomitar no teu corpo e na tua carne
Quero fazer da tua morte a minha glória
Empurrar-te do alto da serra
Juntar-te aos corpos que estão manchados
Na tua cabeça errante
Eu deveria querer morrer sobre uma bandeja
Ser carregada e devorada por ti
Sei que desejas uma ceia do meu corpo
Daí me devoras para não me veres mais
Quero violentar as cercas da tua alma
Violentar-te, empalar-te
Massacrar-te com minhas níveas mãos
É meu macabro desejo
Morder a tua boca e arrancar-te os dentes
Um beijo para sugar-te a vida
Eu te amei e hoje te odeio
Tentaste devorar não só minha carne
Mas junto foi o pão que o diabo amassou
Faço tudo que meu desejo permite
Estripo-te
Dou tua carne aos abutres
Passas por tudo e entendes minha história
Porque um dia te amei e hoje te odeio
Por este desejo macabro
Levo-te aos confins do mundo
Voamos por sobre os corpos manchados
E moribundo que estás ali ficas
Porque não conseguiste me devorar
Minha alegria é a minha vingança
Pois cada vez que te peguei pela mão
E voamos por sobre o vale das sombras
Joguei-te ao subsolo do sentimento e ali ficaste preso
E eu continuo meu voo sozinha
E em paz sem a tua maldita companhia
sexta-feira, 12 de março de 2010
A estrela
A estrela brilha!
Cabe na palma da minha mão
É carinho, brilho fácil
E está no meu coração.
A estrela brilha
Solto-a no ar
Toda vez que quero falar
É só para cima olhar.
A estrela não se apaga
Brilha forte no meu coração
É carinho, brilho fácil
E cabe na palma da mão.
(1986)
Cabe na palma da minha mão
É carinho, brilho fácil
E está no meu coração.
A estrela brilha
Solto-a no ar
Toda vez que quero falar
É só para cima olhar.
A estrela não se apaga
Brilha forte no meu coração
É carinho, brilho fácil
E cabe na palma da mão.
(1986)
quinta-feira, 11 de março de 2010
Enquanto isso, de novo, no mesmo centro de convenções
Conversa entre a irritada consultora de vendas e a gerente comercial:
- Não concordo, senhora, que esta cliente queira usar esta área sem pagar. Ela é muito espertinha!
- Mas você não pode falar assim com os clientes.
- Eu não falei assim com ela. Estou falando com a senhora. E eu não concordo.
- Calma, isso tudo é negociável.
- Sei, a técnica mineira da pechincha... - disse a consultora, inclinando a cabeça para um lado e para outro.
- Claro, mineiro pechincha! Você não é mineira? - perguntou a gerente, como se fosse óbvia a resposta a seguir.
- Não, sou amazonense.
- Não concordo, senhora, que esta cliente queira usar esta área sem pagar. Ela é muito espertinha!
- Mas você não pode falar assim com os clientes.
- Eu não falei assim com ela. Estou falando com a senhora. E eu não concordo.
- Calma, isso tudo é negociável.
- Sei, a técnica mineira da pechincha... - disse a consultora, inclinando a cabeça para um lado e para outro.
- Claro, mineiro pechincha! Você não é mineira? - perguntou a gerente, como se fosse óbvia a resposta a seguir.
- Não, sou amazonense.
quarta-feira, 10 de março de 2010
Aline
Ele me procurava incessantemente, com aquela carinha de menino tímido e aquele sorrisinho de canto de boca que derrete qualquer mulher. Parado do outro lado da avenida, sob a luz da Lua, contemplava meu corpo e o meu rosto etéreo. Fiz um sinal com a mão, chamando-o, e ele veio. Bastou isso para que ele chegasse bem perto, de forma que pude sentir seu perfume misturado ao suor da corrida.
Puxei-o pela mão e seguimos para uma boate. Eu queria dançar até me acabar. As luzes ritmadas, a fumaça do gelo seco, tudo me deixava feliz. Girava na pista e, num joguinho gostoso, deixava com que meu cabelo se esvoaçasse e batesse de leve no rosto dele. Toquei-lhe as mãos e pedi para comigo dançar, para que eu pudesse, enfim, sentir seu inebriante perfume mais de perto. Convidei-o para dar uma volta, tomar um ar. Ele quis pegar o carro, mas não deixei, preferia ir a pé. O som de The 69 Eyes, então, foi ficando longe enquanto caminhávamos.
Por um momento parei, e contemplei o seu rosto. Encostei-o num poste e beijei-o sofregamente, queria mostrar-lhe tudo o que eu queria, que me inundasse com seu desejo. Deslizei minhas unhas cor de sangue por seu pescoço e passei por seu corpo ainda suado da dança. Desci-lhe o zíper da calça e o beijei. Provoquei. Fiz tudo o que sabia que ele gostava, olhando no fundo de seus olhos. Queria vê-lo com a respiração ofegante, com o cheiro da paixão transpassando todos os poros. Era perfeito, eu fogosa e ele hipnotizado.
Ele se perdeu em meu gesto de carinho e finalmente esqueceu-se de que estava na rua. E como era belo, como me tentava! Meus movimentos iam ficando cada vez mais fortes, e o que eu queria mesmo era que ele fizesse amor comigo ali mesmo. Ele me procurava tão incessantemente, e eu queria e podia dar a ele o melhor que já tivera. E podia responder-lhe à altura.
Toquei seus cabelos na nuca, e pedi-lhe, sem palavras, que me desse o melhor sexo que já dera a alguém. Ele soube ler meus olhos, meus lábios e meus dedos. Com sua delicadeza, levantou meu vestido e afastou minha pequena calcinha lilás, escolhida especialmente para ele. Apoiei-me no poste, de costas para ele, e pedi que me penetrasse. Sussurrei e gemi baixinho a cada movimento, e arrepiava a cada vez que ele me puxava para perto de seu corpo.
Quando terminamos, senti que quem me contemplava agora era ele, num misto de ternura e inocência. Eu sabia que o tinha encantado.
À aurora eu precisava me despedir. Sentia pesar em deixá-lo, mas preparei-lhe todo o caminho, sabia que ele ficaria feliz por tudo que eu fizera. Preferi deixá-lo sozinho quando ele me disse algumas doces palavras, dei-lhe um beijo e não quis que ele me acompanhasse até a saída.
Também não deixei com que ele percebesse que no momento em que o chamei do outro lado da avenida um baque surdo se fez ouvir. Seu corpo fora abalroado e atirado a metros de distância por um veículo sob o comando de um ébrio. Ele se olhava no ataúde, e eu não quis saber se ele se achava bonito ali, apenas quis despedir-me com um terno beijo. E assim fiz.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Ele chamou meu sorriso de "Aline".
* Baseado no conto "Teu sorriso se chama Aline", de M. D. Amado.
Puxei-o pela mão e seguimos para uma boate. Eu queria dançar até me acabar. As luzes ritmadas, a fumaça do gelo seco, tudo me deixava feliz. Girava na pista e, num joguinho gostoso, deixava com que meu cabelo se esvoaçasse e batesse de leve no rosto dele. Toquei-lhe as mãos e pedi para comigo dançar, para que eu pudesse, enfim, sentir seu inebriante perfume mais de perto. Convidei-o para dar uma volta, tomar um ar. Ele quis pegar o carro, mas não deixei, preferia ir a pé. O som de The 69 Eyes, então, foi ficando longe enquanto caminhávamos.
Por um momento parei, e contemplei o seu rosto. Encostei-o num poste e beijei-o sofregamente, queria mostrar-lhe tudo o que eu queria, que me inundasse com seu desejo. Deslizei minhas unhas cor de sangue por seu pescoço e passei por seu corpo ainda suado da dança. Desci-lhe o zíper da calça e o beijei. Provoquei. Fiz tudo o que sabia que ele gostava, olhando no fundo de seus olhos. Queria vê-lo com a respiração ofegante, com o cheiro da paixão transpassando todos os poros. Era perfeito, eu fogosa e ele hipnotizado.
Ele se perdeu em meu gesto de carinho e finalmente esqueceu-se de que estava na rua. E como era belo, como me tentava! Meus movimentos iam ficando cada vez mais fortes, e o que eu queria mesmo era que ele fizesse amor comigo ali mesmo. Ele me procurava tão incessantemente, e eu queria e podia dar a ele o melhor que já tivera. E podia responder-lhe à altura.
Toquei seus cabelos na nuca, e pedi-lhe, sem palavras, que me desse o melhor sexo que já dera a alguém. Ele soube ler meus olhos, meus lábios e meus dedos. Com sua delicadeza, levantou meu vestido e afastou minha pequena calcinha lilás, escolhida especialmente para ele. Apoiei-me no poste, de costas para ele, e pedi que me penetrasse. Sussurrei e gemi baixinho a cada movimento, e arrepiava a cada vez que ele me puxava para perto de seu corpo.
Quando terminamos, senti que quem me contemplava agora era ele, num misto de ternura e inocência. Eu sabia que o tinha encantado.
À aurora eu precisava me despedir. Sentia pesar em deixá-lo, mas preparei-lhe todo o caminho, sabia que ele ficaria feliz por tudo que eu fizera. Preferi deixá-lo sozinho quando ele me disse algumas doces palavras, dei-lhe um beijo e não quis que ele me acompanhasse até a saída.
Também não deixei com que ele percebesse que no momento em que o chamei do outro lado da avenida um baque surdo se fez ouvir. Seu corpo fora abalroado e atirado a metros de distância por um veículo sob o comando de um ébrio. Ele se olhava no ataúde, e eu não quis saber se ele se achava bonito ali, apenas quis despedir-me com um terno beijo. E assim fiz.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Ele chamou meu sorriso de "Aline".
* Baseado no conto "Teu sorriso se chama Aline", de M. D. Amado.
segunda-feira, 8 de março de 2010
Soltanto un sogno
E piove.
Allora sono qui in tuoi bracci
M'accarezzi e mi baci!
Mi lasci star in tuo cuore
Mi lasci far d'attesa il piacere!
Ah, amato mio,
Mi lasci esser la tua essenza
Mi lasci far il meglio della tua vita
M'accarezzi, mi baci,
Mi lasci coi tuoi bracci!
E piove.
E qui siamo noi
Tra le dita e le piane parole...
Foi aí que acordei e vi que estava no Brasil de novo. Merda.
Allora sono qui in tuoi bracci
M'accarezzi e mi baci!
Mi lasci star in tuo cuore
Mi lasci far d'attesa il piacere!
Ah, amato mio,
Mi lasci esser la tua essenza
Mi lasci far il meglio della tua vita
M'accarezzi, mi baci,
Mi lasci coi tuoi bracci!
E piove.
E qui siamo noi
Tra le dita e le piane parole...
Foi aí que acordei e vi que estava no Brasil de novo. Merda.
domingo, 7 de março de 2010
Metamorfose
Toda a preocupação de minha mãe era que eu tivesse como me alimentar. Escolheu a melhor planta, observou se havia outros insetos próximos, se havia reservas de água. Ela realmente foi bastante gentil em ter me deixado numa bromélia num jardim viçoso, o qual sei que ela visita todos os anos. Pelo que me contaram, ela é laranja, e eu serei como ela. E com certeza eu a verei na próxima primavera.
Minha transformação é, no mínimo, estranha. Eu era tão pequenina e quase transparente, e de repente fiquei escura, cheia de listas amarelas e brancas. Quando me movo, o meu corpo faz um movimento engraçado, como se uma onda passasse por todo ele. Sinto-me esquisita, fria, feia. Disseram-me que a minha mãe é linda, laranja, com desenhos pretos e pintas brancas, e agora eu não estou entendendo mais nada.
Estou ficando cansada, e já não consigo mais me mover com aquela agilidade de antes. Até tem alimento aqui perto, mas está me dando uma preguiça! Acho que estou é gorda, por isso não consigo me mover. Sono... Fiquei um tempo sem prestar atenção ao que eu fazia, até perceber que me envolvia num casulo de seda, macio, que eu mesma estava fazendo. Deve ser bom balouçar nesta rede, e estou com cada vez mais sono. Fechei a portinha e fiquei quietinha lá dentro.
Ah, que sonhos lindos eu tive! Vi minhas asas novas, laranja como as da minha mãe, e eu voando até outro jardim que não este em que ela me deixara. Neste jardim, eu via um humano, um homem, sentado, triste, e observando o meu nascimento. Como agora, eu já estava no casulo, e dava sinais de que iria sair. O homem me observava com cuidado, e seu olhar se perdia na minha dificuldade para sair da casca. Ainda bem que ele não me ajudou.
Comecei então a despertar do meu sonho e vi que realmente estava na hora de sair. Percebi que estava enroscada em algo que não era o casulo, e fiz uma força enorme para tentar me libertar. Girei sobre mim mesma, e com o próprio movimento fui relaxando a rede que teci. Então fui abrindo devagar uma fresta, e notei que o que me enroscava o corpo eram as minhas asas. Doía, mas eu precisava sair, e fui me abrindo devagar, até que vi as lindas asas laranja com que a minha mãe me presenteara. Fiquei feliz.
Quando eu estava quase saindo da bromélia para reconhecer o jardim, vi o homem que apareceu nos meus sonhos. Lá estava ele, na mesma posição, observando meu nascimento. Como em meu devaneio onírico, ele não me ajudou, e isso foi fundamental para que eu tivesse força para voar. Observei durante um longo tempo as lágrimas que se faziam rolar no seu rosto, e eu não pude dar-lhe um abraço. Não pude enxugar seu pranto. Não pude dizer-lhe palavras reconfortantes.
E quem disse que precisa ser humano e dizer as coisas do mesmo jeito que eles dizem? Nós, animais, sabemos dizer da nossa forma. Voei para perto dele, e pousei sobre seu ombro. Disse-lhe, com voz de borboleta que sou, que era difícil sair do casulo, e que ele não imaginava o quanto doía aquele processo. Em alguns momentos, pensei que me quebraria toda, mas a mãe natureza é muito sábia e permitiu que nós fizéssemos esse esforço hercúleo para alçar a liberdade, de forma que ensinássemos todos os dias aos humanos que as dificuldades são inerentes à vida e que é para crescer que elas servem. E passam.
Nós, animais, sabemos do nosso jeito confortá-los. Vi, então, que ele sorriu com a minha presença laranja. Deixei-lhe um beijo na ponta da orelha e saí voando.
sexta-feira, 5 de março de 2010
Cuida de mim
Quando eu estiver caído
Usando vestes rotas
E proferindo palavras mal ditas e malditas
Quando eu estiver insone
Perambulando pela rua
Procurando abrigo
Cuida de mim
Quando eu estiver faminto
Necessitado de alimento de espírito
Sedento de saber
Quando eu estiver pálido
Assustado e acuado
Procurando o abrigo do teu colo
Cuida de mim
Quando eu estiver triste
Precisando de amor
E do teu acalento
Quando eu estiver cansado
Precisando dos teus braços
Procurando o teu abraço
Cuida de mim
Usando vestes rotas
E proferindo palavras mal ditas e malditas
Quando eu estiver insone
Perambulando pela rua
Procurando abrigo
Cuida de mim
Quando eu estiver faminto
Necessitado de alimento de espírito
Sedento de saber
Quando eu estiver pálido
Assustado e acuado
Procurando o abrigo do teu colo
Cuida de mim
Quando eu estiver triste
Precisando de amor
E do teu acalento
Quando eu estiver cansado
Precisando dos teus braços
Procurando o teu abraço
Cuida de mim
terça-feira, 2 de março de 2010
Enquanto isso, num centro de convenções qualquer...
- Boa tarde! Eu gostaria de fazer um orçamento para um evento.
- Sim, senhor, qual o tipo de evento e qual a data?
- É um congresso, para o meio do ano.
- Um minuto, por favor.
O consultor levantou-se para pegar o calendário. Ao retornar ao telefone, perguntou:
- É julho?
- Não, é Vinícius.
- Sim, senhor, qual o tipo de evento e qual a data?
- É um congresso, para o meio do ano.
- Um minuto, por favor.
O consultor levantou-se para pegar o calendário. Ao retornar ao telefone, perguntou:
- É julho?
- Não, é Vinícius.
Sonhei que dançava um frevo
Sonhei que estava em Recife, e na praia eu dançava um frevo. Nunca fui a Pernambuco, nunca gostei de dançar e nem sou fã de carnaval, mas eu estava na rua pulando ao levante de "Vassourinhas", no meio do Galo da Madrugada.
Sonhei com o dia colorido, o céu azul, a areia branca, as barracas e os guarda-sóis multicores. O verde das árvores e a brisa que soprava do mar completavam a sensação de estar flutuando.
Sonhei com pipoca, com doce de coco e picolé. Sonhei com tapioca doce, salgada, recheada com jabá. Sonhei com a felicidade do povo, nem que fosse só uma vez ao ano. Sonhei com o carinho delicado do mar em minha pele, com o sal deixando seu sabor sobre mim, com o abraço de cada onda a me aceitar naquele pedaço de Brasil.
Sonhei que caminhava e abraçava as pessoas, e que olhava em seus olhos e dizia-lhes o quanto eu era feliz, apesar de boba. Meu dia colorido até começou a ficar cinzento, mas nem liguei, pois estava dançando, pulando e dando gritos de satisfação.
Sonhei que continuava meu frevo depois que o céu começava a se fechar. E debaixo da chuva, eu pulava e gritava a liberdade, girava a sombrinha e a passava leve por debaixo das pernas. Abaixava e levantava com a mesma agilidade dos passistas recifenses natos.
Sonhei que dançava o frevo da minha vida, a alegria de recomeçar, o sacudir da poeira, a retomada dos meus sonhos. Por isso é que eu "frevia" e fervia na avenida, os braços abertos, rodopiando, minha gargalhada escandalosa e, misturadas aos grossos pingos, as lágrimas de emoção por estar em paz e livre novamente.
Sonhei com o dia colorido, o céu azul, a areia branca, as barracas e os guarda-sóis multicores. O verde das árvores e a brisa que soprava do mar completavam a sensação de estar flutuando.
Sonhei com pipoca, com doce de coco e picolé. Sonhei com tapioca doce, salgada, recheada com jabá. Sonhei com a felicidade do povo, nem que fosse só uma vez ao ano. Sonhei com o carinho delicado do mar em minha pele, com o sal deixando seu sabor sobre mim, com o abraço de cada onda a me aceitar naquele pedaço de Brasil.
Sonhei que caminhava e abraçava as pessoas, e que olhava em seus olhos e dizia-lhes o quanto eu era feliz, apesar de boba. Meu dia colorido até começou a ficar cinzento, mas nem liguei, pois estava dançando, pulando e dando gritos de satisfação.
Sonhei que continuava meu frevo depois que o céu começava a se fechar. E debaixo da chuva, eu pulava e gritava a liberdade, girava a sombrinha e a passava leve por debaixo das pernas. Abaixava e levantava com a mesma agilidade dos passistas recifenses natos.
Sonhei que dançava o frevo da minha vida, a alegria de recomeçar, o sacudir da poeira, a retomada dos meus sonhos. Por isso é que eu "frevia" e fervia na avenida, os braços abertos, rodopiando, minha gargalhada escandalosa e, misturadas aos grossos pingos, as lágrimas de emoção por estar em paz e livre novamente.
segunda-feira, 1 de março de 2010
Piloto
Minha vida é o aeroporto
Estar na chegada e na partida
Ver o abraço, seguro porto
Ver o choro da despedida.
Meu passo é o toque, a arremetida
Meu destino é não ser morto
Meu pulsar é a minha vida
Meu leme não ruma a torto.
Todo dia perto de Deus,
Rasgando o céu a levar os teus
Sem nuvens num lindo agosto
Toda a vista e o manche são meus,
As montanhas e todo o adeus
Estão comigo, sou teu piloto.
Estar na chegada e na partida
Ver o abraço, seguro porto
Ver o choro da despedida.
Meu passo é o toque, a arremetida
Meu destino é não ser morto
Meu pulsar é a minha vida
Meu leme não ruma a torto.
Todo dia perto de Deus,
Rasgando o céu a levar os teus
Sem nuvens num lindo agosto
Toda a vista e o manche são meus,
As montanhas e todo o adeus
Estão comigo, sou teu piloto.
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