terça-feira, 23 de março de 2010

Necessária solidão

"Ansiedad de piloto, furia de buzo ciego,
turbia embriaguez de amor, todo en ti fue naufragio!"

(Pablo Neruda - "La canción desesperada")

Saiu de um relacionamento super conturbado, em que o sujeito era um grude, ciumento até o tucupi, ligava demais, cobrava demais e, para ele, amar era sinônimo de sofrer. Ela até chegou a dizer a ele algumas vezes que não sabia porque ele sofria por ela, já que ela sempre fora fiel e estava com ele. Mas não, ele queria mais. Queria sugar não só o seu dinheiro, não só o seu corpo, mas também o seu espírito livre. E percebeu, com o tempo, que era ela quem deixava a situação ser conduzida por ele.

Podia resumir o relacionamento de nove meses no seguinte: nos três primeiros chorava, morria de culpa, fazia coisas ridículas para satisfazê-lo; nos três do meio ela já batia de frente, não aceitava as coisas tão facilmente, apesar de sustentá-lo de certa forma, porque o sujeito era incapaz de arrumar um emprego decente e, quando arrumava, achava tudo ruim; já nos três últimos ela batia nele. Certa vez, um lavador de carros teve que segurá-la, senão ela ia matar o encosto. E quando a coisa descamba para a agressão física, acabou o respeito. E, se acabou o respeito, é porque o amor foi embora muito antes. Ou nem veio.

Uma reflexão profunda sobre os seus sentimentos. Tomou um choque porque, no fundo, sempre soube que nem chegou a amar esse homem mesmo... Algumas vezes o sangue se esvaiu de seu rosto quando ele dizia "eu te amo", e ela respondia o mesmo de forma automática, mais pela expectativa dele e para não decepcioná-lo que pelo sentimento em si. Ela gostava dele, apaixonou-se, e agora percebia que não o amara. E, para completar, vivendo agora o luto que não se permitiu viver em outras épocas. Seu péssimo hábito de emendar um relacionamento no outro não a permitiu perceber o quanto era importante ficar um tempo consigo mesma e avaliar seus sentimentos antes de entregar seu coração a outrem.

Um grande amigo chamou-lhe a atenção para este fato quando ela escreveu um poema em que mata o ex-namorado. Aí foi outro momento de choque: ela percebeu que ainda estava muito ferida e magoada, não pela saudade, porque isso não sentiu nem uma vez, mas só sentiu falta do sexo, que era excelente, na primeira semana. Felizmente tinha amigos ótimos e que a apoiaram muito. Ela ainda estava magoada pela exploração financeira, física e psicológica. Estava magoada consigo mesma pela idiotice que se permitiu. Logo ela, tão cheia de predicados, se enrabichar por algo que definitivamente não valia a pena.

Quando se tem trinta anos, a gente já consegue separar bem o que é sexo, amor, paixão, desejo, cirrose... E também, segundo as palavras de seu grande amigo, a gente acaba entregando nosso coração a outrem por fuga, e não por amor. E machuca demais quem está com a gente. Então, no momento, ela está quieta, mas não totalmente em paz.

Ele tentou fazer com que ela pedisse demissão, ficava na casa dela no fim de semana de oito da manhã às vinte e duas horas, para ter certeza de que ela estaria suficientemente cansada para não sair para a rua [procurar macho]. Quando estava lá, ficava no pé dela, não a deixava conversar com seus pais. Ele a acusava de complô quando ela conversava com eles. Pergunta oportuna: que complô?

Se há uma coisa que ela adora fazer desde criança é lavar carro. Nem isso ele a deixava fazer, porque queria ficar pendurado em seus lábios. Mas ela o largava e ia lavar o carro no domingo sim, senhor, porque usa e tem mais é que cuidar. Se o carro dele era todo problemático porque ele não cuidava, achava que era só usar e estava tudo certo, é um problema dele. Hoje em dia ela ri, e daria tudo para ele vê-la de minissaia calibrando pneu e pondo água no reservatório do radiador.

Certa vez ela precisou fazer uma prova em outro Estado, e ele quis porque quis ir com ela, ia dar um jeito de matar o dia de trabalho para acompanhá-la, mas não teve jeito. Ela comprou a passagem e somente informou a ele que iria. Enfrentou quatorze horas de viagem e enfim descansou. Foi seu primeiro momento em paz sem ouvir a voz dele. Fez a prova, dormiu como um anjo, não teve que suportar ele pedindo para que o masturbasse; retornou, e na volta as mensagens que ele havia mandado no celular se acumularam, sendo recebidas somente quando ela entrou novamente em seu Estado. Uma delas chamava a ausência de resposta como "silêncio conveniente". Não passou pela cabeça dele a falha de comunicação natural quando se está fora de área. Quando ela desembarcou, rumaram para um motel. Ele fez amor, ela fez sexo. Olhando para o teto. E decidiu que era a hora de acabar com aquilo tudo.

Ele tocou em seus brios quando tentou fazer com que ela desistisse de seu maior sonho. Ele queria que ela escolhesse entre ele e a profissão. Já estavam terminados, e ela pediu o favor de levá-la a alguns lugares para buscar uns documentos, pois ele estava de moto e o deslocamento seria mais fácil assim às dezoito horas. Ele ficou sem lugar, pois, quando ela adentrou o aeroclube, ele não sabia o que fazia, pois só tinha homem lá e o "pior": todos a conheciam. Depois tentou discutir com ela relação que já tinha acabado. E conseguiu, despertando o que de pior havia nela, a mais corrosiva inimiga que se poderia imaginar.

Alguns dias depois, ela foi para a cabeceira da Pampulha, observar os pousos e decolagens. Precisava daquele tempinho para processar a raiva de si e a raiva dele. Na volta, passou em frente à casa dele para saber o que ia sentir. Desta vez não sentiu nada. Estava processando melhor os acontecimentos. Mas sua liberdade ninguém tira. Ela ainda é uma alma alada.

Hoje ela conseguiu pronunciar o nome dele sem se irritar, sem se arrepiar. Ir namorar aviões fez um bem danado a ela. E só depois de um tempo é que ela aprendeu que não tem que mudar só para agradar o outro. E que a solidão se faz necessária, porque faz bem estar consigo mesma. Faz bem se bastar. E ainda há de chegar o estado de graça e de paz.

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