domingo, 7 de março de 2010

Metamorfose



Toda a preocupação de minha mãe era que eu tivesse como me alimentar. Escolheu a melhor planta, observou se havia outros insetos próximos, se havia reservas de água. Ela realmente foi bastante gentil em ter me deixado numa bromélia num jardim viçoso, o qual sei que ela visita todos os anos. Pelo que me contaram, ela é laranja, e eu serei como ela. E com certeza eu a verei na próxima primavera.

Minha transformação é, no mínimo, estranha. Eu era tão pequenina e quase transparente, e de repente fiquei escura, cheia de listas amarelas e brancas. Quando me movo, o meu corpo faz um movimento engraçado, como se uma onda passasse por todo ele. Sinto-me esquisita, fria, feia. Disseram-me que a minha mãe é linda, laranja, com desenhos pretos e pintas brancas, e agora eu não estou entendendo mais nada.

Estou ficando cansada, e já não consigo mais me mover com aquela agilidade de antes. Até tem alimento aqui perto, mas está me dando uma preguiça! Acho que estou é gorda, por isso não consigo me mover. Sono... Fiquei um tempo sem prestar atenção ao que eu fazia, até perceber que me envolvia num casulo de seda, macio, que eu mesma estava fazendo. Deve ser bom balouçar nesta rede, e estou com cada vez mais sono. Fechei a portinha e fiquei quietinha lá dentro.

Ah, que sonhos lindos eu tive! Vi minhas asas novas, laranja como as da minha mãe, e eu voando até outro jardim que não este em que ela me deixara. Neste jardim, eu via um humano, um homem, sentado, triste, e observando o meu nascimento. Como agora, eu já estava no casulo, e dava sinais de que iria sair. O homem me observava com cuidado, e seu olhar se perdia na minha dificuldade para sair da casca. Ainda bem que ele não me ajudou.

Comecei então a despertar do meu sonho e vi que realmente estava na hora de sair. Percebi que estava enroscada em algo que não era o casulo, e fiz uma força enorme para tentar me libertar. Girei sobre mim mesma, e com o próprio movimento fui relaxando a rede que teci. Então fui abrindo devagar uma fresta, e notei que o que me enroscava o corpo eram as minhas asas. Doía, mas eu precisava sair, e fui me abrindo devagar, até que vi as lindas asas laranja com que a minha mãe me presenteara. Fiquei feliz.

Quando eu estava quase saindo da bromélia para reconhecer o jardim, vi o homem que apareceu nos meus sonhos. Lá estava ele, na mesma posição, observando meu nascimento. Como em meu devaneio onírico, ele não me ajudou, e isso foi fundamental para que eu tivesse força para voar. Observei durante um longo tempo as lágrimas que se faziam rolar no seu rosto, e eu não pude dar-lhe um abraço. Não pude enxugar seu pranto. Não pude dizer-lhe palavras reconfortantes.

E quem disse que precisa ser humano e dizer as coisas do mesmo jeito que eles dizem? Nós, animais, sabemos dizer da nossa forma. Voei para perto dele, e pousei sobre seu ombro. Disse-lhe, com voz de borboleta que sou, que era difícil sair do casulo, e que ele não imaginava o quanto doía aquele processo. Em alguns momentos, pensei que me quebraria toda, mas a mãe natureza é muito sábia e permitiu que nós fizéssemos esse esforço hercúleo para alçar a liberdade, de forma que ensinássemos todos os dias aos humanos que as dificuldades são inerentes à vida e que é para crescer que elas servem. E passam.

Nós, animais, sabemos do nosso jeito confortá-los. Vi, então, que ele sorriu com a minha presença laranja. Deixei-lhe um beijo na ponta da orelha e saí voando.

3 comentários:

  1. Muito bom mesmo. Manda pro Casulos da Alma =)

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  2. quem não se sente especial com uma borboleta pousando em no seu ombro!!

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  3. Muito lindo! Quem dera todas as pessoas pudessem admirar alguns simples gestos da natureza.

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