quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Conquista

Estou aqui sentada na mesa da universidade em que estudo aguardando para iniciar a prova do vestibular. Calma, isso é somente uma mera questão burocrática a fim de forçar a instituição a aceitar minha reopção de curso, mas estou confiante e logo isso se resolve. Enquanto aguardo fico de cabeça baixa, quase dormindo, e pensando na morte da bezerra.

Então me autorizam a começar a prova. Sempre gostei de fazer a redação primeiro, porque estou de cabeça fresca e aí me saem as melhores frases. Aquelas assim, para coroar o texto. Li a proposta, o tema era qualidade de vida, com uma porção de fatores que levam a uma boa existência, como alimentação saudável, atividade física, amigos, amor, fazer as coisas sem pressa... e nessa divagação bovino-tanatológica me ocorreu algo fantástico: qualidade de vida é conquista.

Sim, aquela coisa gostosa que começa ainda lá na sua infância quando você consegue comer sozinho e aprende a fazer cocô no peniquinho; depois quando consegue descer os degraus da escada; e quando você tem seis anos e discute com seus tios que já é grande e não precisa que lhe falem como a um bebê. Isso tudo é conquista. Conquista de maturação neurológica, conquista de respeito. Eu tenho seis anos, mas não sou um neném. Converse comigo direito!

Aí vem a conquista das letras. Olha, eu sou inteligente! Já sei ler, já sei escrever e não faço outra coisa senão escrever com giz meu nome pelas paredes do prédio afora. O síndico quase matou a minha mãe, mas ela, mesmo brigando comigo, ficou orgulhosíssima pela caligrafia redondinha que saiu. Conquistei o mundo letrado. Sou incrível.

Na adolescência, vem a conquista dos gatos e gatas do momento. E é aquela história toda que a gente já conhece: chegar junto, beijar, ficar, namorar, transar, descobrir. Não é a conquista da pessoa amada ou querida, é a conquista do poder fazer cada coisa.

Vêm o vestibular, a universidade, a formatura, a pós, o casamento, os amigos que vão e vêm, os pais e os avós que se vão, as separações e os divórcios. Tudo é conquista. Espera, divórcio é conquista? Depende, se for de um parceiro insuportável, é a conquista da liberdade.

Mas note que tudo é a seu tempo. Coisas de criança têm seu espaço em épocas de criança. De adolescente idem, de adultos mais ainda. Está certo que alguns atropelam fases: há aqueles que têm filhos ainda na adolescência, aqueles que se casam e se separam cedo demais, aqueles que caem na boemia aos quarenta ainda achando que têm vinte e cinco. Há aqueles que nunca se casam, que nunca saem da adolescência; há os que morrem jovens demais antes de terem cumprido todo o rito preparado.

Ah, mas se o "cronograma" for cumprido à risca, a qualidade de vida está exatamente aí. Viver cada coisa a seu tempo. Conquistar seu espaço, seu caminho, ter coragem para mudar o que não está bom. Perceber a tempo que certas realizações são verdadeiros elefantes brancos: lindos, porém o que fazer com eles?

Então você retoma e faz tudo de novo. Começa do zero. Conquista tudo outra vez e melhor. E maior. E cada vez mais alto. E uma coisa de cada vez.

Qualidade de vida é isso. É fazer o que der na telha, sem passar por cima de ninguém. É conquista. Sem pressa.

4 comentários:

  1. Melhor definição de "qualidade de vida" que já li.

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  2. Que coincidência! Hoje na aula, trabalhei com os alunos o tema: Liberdade (a conquista). rs

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  3. Um excelente modelo do que é a Qualidade de Vida.

    Em nada adianta ter dinheiro e bens materiais se eles não te trazem nenhum crescimento ou experiência psicológica.

    E por acaso, conheço uma certa pessoa que, às vezes, parece que não cresceu. ^^

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  4. Texto muito bem escrito. Parabéns! Para mim, a qualidade de vida é sinônimo de quem saiba aproveitar a vida e concretize seus sonhos.

    Beijo,
    Diogo Madeira.

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