Vasculhando as minhas coisas há alguns finais de semana, encontrei meu livro de escola da primeira série. O ano era 1987 e lá estava na contra-capa: "Glaucia Regina Piazzi, 1ª série, sala 7, professora Clêmides". O quarto capítulo era sobre a letra c, fonema /k/, com o lindíssimo poema "Colar de Carolina", de Cecília Meireles. E o livro era bacana porque não só explicava letra e fonema, como também suscitava discussões sobre o tema do capítulo. E o tema deste era "cores".
Ah, vocês não sabem a alegria com que olhei a minha letra, do tempo em que era redondinha, mas já rebelde, porque a professora dizia que deveríamos escrever uma palavra por completo para só depois colocarmos seus respectivos sinais gráficos. O v de todo mundo fazia uma voltinha antes, o meu já começava sem ela, fosse maiúsculo ou minúsculo. A pergunta do livro era: "que cor você acha que tem o amor? Por quê?" E a minha resposta foi, com o V sem voltinha: "Verde. Porque simboliza muita esperança."
Caramba, hoje eu tenho noção da profundidade da minha resposta: uma criança de sete anos dizendo que o amor é verde porque é esperança, e é mesmo! A gente chora, quebra a cabeça, mas segue acreditando que um dia vai encontrar alguém (ou algo) bacana para amar, toma outra traulitada, se decepciona e depois encontra outro e o ciclo recomeça. Sim, tem um pouco de paixão neste conceito. Mas o amor está é dentro de nós. Nós é que oferecemos o amor a outrem. Nós é que acreditamos ser capazes de transformar o mundo com a força do nosso amor.
Hoje fui ao supermercado usando a camisa do América. Não sei por que cargas d'água todo mundo ficou me olhando. Mentira, sei sim. É porque ontem meu time perdeu para o Atlético Mineiro, de virada, por 2 x 1, e assim mesmo eu vesti a camisa e saí. E o que é isso senão amor? Torcedor de qualquer outro time ficaria invocado e não vestiria o manto no pós-derrota. Nós não. Não sofremos justamente porque amamos, porque temos esperança, porque conhecemos o time para o qual torcemos. Não sofremos porque no amor não há espaço para dúvidas. E eu não tenho dúvidas de que o meu amor é verde.
O jogo de ontem foi ótimo. Não pelo resultado nem pelo esquema tático (qual?), mas pela história que rendeu. Já viram americano em delegacia? Pois é, fomos a uma ontem, e fazendo festa, porque realmente é inconcebível e incompatível um torcedor cuja camisa é atestado de boa-fé em todo o território nacional ser preso, ainda mais por desacato. O pior: o desacato não ocorreu, quem mandou o torcedor ir à p*ta que pariu foi o policial. Vai entender... E, enquanto aguardávamos a liberação do nosso motorista para voltarmos a Belo Horizonte, conversávamos sobre quem é o torcedor americano.
A torcida é pequena e acaba que todo mundo meio que já se conhece. Foi engraçado quando surgiram duas meninas bonitas lá no meio e o pessoal se perguntou: quem são? Imediatamente começamos a rir da nossa constatação, dizendo que somos tão família que quando surge alguém novo por lá a gente logo percebe e fica instigado a conhecer. A propósito, nós, meninas, não tomamos mãozada lá no meio da galera!
Até a polícia não precisa mover uma palha para nos conter. Não há necessidade. Se existe uma corda de isolamento entre a arquibancada e o alambrado, é para que nós não a ultrapassemos. Compreendemos a instrução conforme é dada. Xingamos, gritamos, berramos palavrões como qualquer outra torcida (berrar palavrão é terapêutico!). Mas ultrapassar os limites da boa educação, isso nunca. Já disse e repito, a história da delegacia foi algo totalmente inusitado e a coisa mais non sense que já vi acontecer na torcida do América.
E os veículos nos quais nós americanos chegamos? Todos limpos e organizados, alguns mais simples, outros mais pomposos. Mas garanto a vocês que um Chevette vermelho, tocando funk em 2 milhões de watts PMPO (Potência Musical Para Otário, eu diria), rebaixado, com dois aerofólios - um no teto e um no porta-malas - não pertencia a nenhum torcedor alviverde.
A gente tem paixão? Claro que tem, é aquele conceito que falei ali em cima. Mas paixão sozinha não sobrevive. Ela precisa do amor, pois ele é o alicerce para que ela seja consciente e não soframos. Paixão sozinha é burra, ela tem que ser não o prato principal, mas sim o tempero do amor. Nós americanos apanhamos, mas continuamos amando esse time mesmo aos trancos e barrancos. Deve ser porque o amor é algo que vem de dentro de cada um de nós e com ele acreditamos e temos a esperança da renovação.
Por isso saí com a minha camisa assim mesmo. Ser cruzeirense ou atleticano em Belo Horizonte não faz diferença, ninguém liga. Mas americano não. Gosto de ser notada. Adoro ver a cara de espanto ou de admiração de desconhecidos quando estou usando o manto verde e negro. Gosto quando gritam "Coelho!", o time tendo perdido ou ganhado eles falam nosso nome. Ninguém briga conosco. Somos de paz. Aceitamos as brincadeiras e respondemos numa boa. Temos tudo o que é necessário para um bom torcedor: classe, paz, paixão e amor.
Falem o que quiserem. Só nós somos decacampeões. E o amor é verde.