segunda-feira, 26 de outubro de 2020

1996

I have died everyday, waiting for you 

Darling, don't be afraid, I have loved you for a thousand years

I'll love you for a thousand more

And all along I believed, I would find you

Time has brought your heart to me, I have loved you for a thousand years

I'll love you for a thousand more


(Christina Perri)


Era a nossa escola, a nossa educação em jogo, era brigar com polícia, era ir marchando no mínimo seis quilômetros fazendo barulho em diversas capitais. Era uma passeata, estourava uma greve. Jovens éramos, derrubaríamos um ministro nos nossos quinze anos de idade, quiçá um segundo presidente.

Havia estado dias antes com você em seu aniversário, dia no qual fiz um teatro em que eu era a Julieta e você ficou morrendo de ciúme do Romeu. Alguns dias antes disso eu ainda havia combinado com uma amiga de testar a sua fidelidade e eu testar a do namorado dela. O meu passou no teste, o dela não. E você ficou chateado comigo com razão. Como me arrependo disso, ainda mais porque quando esse mocinho tentou me roubar um beijo, eu bati com a cabeça no portão da escola na tentativa de me desvencilhar.

Aprontei feio com você naquela semana. E você se aproximou de uma mocinha mais sedutora do que a tosca eu aqui e se deixou levar. Ficou com ela. E no meio da passeata veio me contar que não poderíamos mais continuar juntos porque estava gostando dela.

A partir daí as coisas acontecem na minha mente em câmera lenta. Arrepio meus curtos cabelos, somo minha voz aos gritos de ordem contra o ministro e o presidente e me junto à turma que caminhava à minha frente. Meto um beijo de língua no "Romeu", bem diante dos seus olhos. Você parado, me olhando distante, perdido. Eu andando, beijando o rapaz e olhando para você fazendo troça e lhe mirando com ódio. Segui pra outro lugar e você ficou lá, estático. Não sei o que houve mais naquele dia, minhas memórias são bloqueadas a partir do momento em que entrei num ônibus com o "Romeu" e aquela turma.

Na semana seguinte você me ligou para tentar se desculpar. Você se arrependeu. Falou que a mocinha te disse bem-feito, que ela não mandou você terminar comigo, que ela não queria nada sério com você. Eu, na minha imaturidade e no meu orgulho ferido, acabei com você. Disse que tudo o que você fosse fazer dali para a frente que nós já tínhamos feito juntos um dia você se lembraria de mim. Fossem as caminhadas pela cidade, fosse a observação das pessoas, fossem as conversas pelo olhar que tínhamos.

Acabei usando o "Romeu" como muleta emocional durante os quatro meses de greve. Outro arrependimento monstro que tenho, ter magoado um cara tão legal.

Quando voltamos, você já estava com outra menina, que me media de cima a baixo. Um dia, chamei-a num canto e disse que ela não precisava me temer, porque eu gostava tanto de você que eu estava deixando o caminho livre para vocês serem felizes. Ela se assustou e até passou a me cumprimentar. E eu ali, amargando olhar para vocês de mãos dadas na hora do intervalo. E guardei meu amor para mim.

Aí troquei de turno, de curso, de turma e assim fugi de vocês. Segui minha vida, tive outros relacionamentos. E você também, pelo que soube. Nossos amigos em comum sempre souberam que eu era louca por você, mas sobre os seus sentimentos eu não tinha certeza. Nunca tive.

Cinco anos depois nos reencontrávamos na universidade. Minhas pernas ficavam bambas cada vez que eu te via quando tinha aula no seu prédio. Custamos a nos reaproximar e retomamos a nossa relação. Eu estava feliz de novo com você.

Mas eu não sabia o que acontecia, existia uma coisa ali que não falava, e pela primeira vez não consegui ler seus olhos em tantos anos. Você me afastou e eu nunca soube o porquê. Aquilo acabou comigo, pois sempre pensei que o problema fosse eu. Talvez porque cinco anos depois eu já estivesse mais chata, mais responsável, querendo mais da vida. Querendo um objetivo com você. Mas não funcionou. Saí de cena mais uma vez. Doeu. Muito. Você não faz ideia do quanto.

Depois disso, minha vida amorosa foi uma sucessão de fracassos e ganhei depressão, ansiedade e baixa autoestima. Tornei-me uma viciada em redes sociais, buscando em outros, principalmente de lugares distantes, os bons papos que tinha com você. Meu déficit de atenção gritou e a bipolaridade explodiu. Eu era a funcionária maravilhosa e dedicada, com toque de Midas, como você mesmo diz, que não tinha inteligência emocional. Resolvia tudo em rompantes - igualzinha a você.

O dia que mais me doeu após nosso afastamento foi sete anos depois, quando eu subia uma rua do centro e vi, pela visão periférica, você e uma menina, na rua, entre as motos. Eu ia fingir que não vi, mas você me chamou e me apresentou a sua namorada. Morri por dentro, o sangue se esvaiu do meu rosto. Ela me odiou de cara tal qual a do pós-greve. Entretanto, mais uma vez deixei o caminho livre para que você fosse feliz ao seu jeito. Você que não viu, mas segui o resto da rua chorando.

Perdi. Naquele dia perdi. Você se casou com ela no mesmo ano que eu me casei com outra pessoa, e ao que parece você é feliz com ela. Vocês tiveram um filho, assim como eu. Mas eu já me separei, porque não aguento mentir para mim mesma.

Sempre me lembro de você. Hoje sou eu que faço as coisas que lhe disse ao telefone que iam fazer você se lembrar de mim. Sempre direciono orações a você. Guardei meu amor para mim, o verde dos seus olhos é uma constante na minha memória. Abri mão de você outra vez por tanto amar você. E como diz a música ali em cima, eu morri todos os dias um pouco esperando por você. Amei você mil anos e amarei outros mil.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Senoides

A vida seria triste demais se fosse uma função constante. Aquela linha reta chata, horizontal, sempre no mesmo número, sem variações. 

Também seria insuportável se fosse apenas uma função crescente ou decrescente. Você nunca saberia para onde está indo, mas teria certeza do caminho.

Tem hora que ela parece uma parábola. Ela vem lá de cima, te joga num valor mínimo, mas depois te impulsiona. Ou o contrário: ela vem lá de baixo, faz um máximo e você volta para o limbo.

Algumas vezes essa função tem graus distintos, faz um samba aqui outro ali com aquele gráfico, mas no fundo tem o mesmo comportamento das crescentes e decrescentes em linha reta. Você tem certezas demais e não aprende o que deveria.

Já as senoides descrevem as vibrações. O tic-tac do relógio. Os sons. A luz. A palavra. O calor dos abraços, as sensações de impacto, as batidas do coração. Descobri que no fundo a vida é mesmo uma senoide. Uma hora você está lá em baixo, depois você está lá em cima. E lá de cima é uma festa. Porque você sabe que mesmo que ela vá lá para o vale, ela encerra sempre um ciclo. E recomeça. E você vibra. E é por isso que a gente vibra.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Sobre Vanusa

 "Hoje eu vou mudar

Vasculhar minhas gavetas

Jogar fora sentimentos

E ressentimentos tolos.


Fazer limpeza no armário

Retirar traças e teias

E angústias da minha mente

Parar de sofrer

Por coisas tão pequeninas

Deixar de ser menina

Pra ser mulher!


Hoje eu vou mudar

Pôr na balança a coragem

Me entregar no que acredito

Pra ser o que sou sem medo.


Dançar e cantar por hábito

E não ter cantos escuros

Pra guardar os meus segredos

Parar de dizer:


Não tenho tempo pra vida

Que grita dentro de mim

Me libertar!

(...)"


Sou fã da Vanusa. Muito. Para mim não há voz no Brasil que combine mais com rock do que a dela (desculpa, Pitty, também te amo!). Tenho acompanhado as notícias sobre sua saúde e soube hoje que ela teve alta do hospital onde estava – completou inclusive seus 73 anos lá dentro – e já está de volta para seus muitos amigos e os filhos que estão sempre por perto.

Vanusa é uma mulher inspiradora. Até um casamento abusivo ela viveu alguns anos atrás, teve que se esconder para não ser mais perseguida. Depois teve o episódio do hino nacional, onde começou a ficar claro um problema de ordem neurológica. Acaba de sobreviver a uma pneumonia severa. E renasce.

Ontem me peguei ouvindo esta música dela, que não estava na minha playlist, mas é das mais conhecidas: “Mudanças”. Ela é puro empoderamento e autoempatia. Não há coisa mais linda que uma mulher quando ela descobre a força que tem. É uma força doce e constante, e que sempre prova seus enormes efeitos no tempo. 

Quando você pensar que não dá conta, levanta essa cabeça, faz a Vanusa e só vai, minha amiga. Suave como a gaivota e ferina como a leoa.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Sete faces de uma pandemia

Quando nasci, um anjo, desses que ficam pintando luz e sombra com lápis 6B, disse: vai, Glaucia, ser guache na vida. Aí eu inventei de desenhar. E outros hobbies foram aparecendo. E também desaparecendo.

Desenhar, pintar, beber, fumar, tocar um instrumento, cantar... Qual prazer cotidiano você deixou de se permitir? 

A mãe, em meio a uma pandemia, fica louca com a correria do dia a dia, é um tal de paracasaecriançaehomeofficeecachorroegatoemaridoesograemãe que no final do dia a gente nem respira  - e nem tem tempo para sonhar, como eu disse outro dia. A tarde talvez fosse azul se a gente pudesse sentar e cuidar um pouco daqueles pequenos prazeres do dia a dia, aquelas coisinhas que você faz só pela satisfação que te trazem, para manter sua sanidade mental e seu equilíbrio. Que tal escrever hoje? Ler um texto que não é da sua área de atuação, só pelo prazer do conhecimento? E poesia, já tomou sua dose hoje?

Cuide de você. Está permitido meditar por cinco minutos que seja olhando para o monte de pernas dentro do bonde, está permitido ficar quieta e quase não conversar atrás dos seus óculos.

Pode ter certeza de que Deus não nos abandonou, pois não temos que ser Ele pra dar conta de tudo, temos é que entender que somos fracas, mas apenas em limitação física. Vá descansar, amoreco. Você já sabe que é forte e invencível. E é assim mesmo, vencendo um dia de cada vez. Amanhã tem mais.

E a gente é ainda é vasta! E se descobre tão vasta que nem o nome da gente faz rima, porque já é a solução e o apoio da casa. Já parou pra pensar o quão vasto é o seu coração?

Então cuide da sua vastidão. Ponha a sua perninha pra cima sim, vá ver vídeo de cachorrinho no YouTube sim, vá tomar um conhaque olhando para a lua no fim do dia sim. Porque você merece aquele pequeno prazer cotidiano. Você merece ficar comovida como o diabo.

sábado, 3 de outubro de 2020

É junto dos bão...

Tive uma semana completamente atípica. Quatro provas da Universidade que se acumularam em dois dias, eu virando noite pra dar conta delas.

Quarta-feira estava já com a primeira prova aberta e fui acompanhar um amigo muito querido na endoscopia. Enquanto ele fazia o exame, fui fazendo a prova com uma confiança que há muito eu não tinha. 

No mesmo dia à noite, minha mãe chega em casa e conta que meu pai a agrediu. Porém ele se esqueceu de que tá velho e levou pra ideia afora umas paneladas de pressão, bem como duas cadeiradas. Vibrei. Porque aquela legítima defesa da minha mãe lavou a minha alma. Escutei desse homem a vida inteira cada barbaridade, que eu tenho a autoestima e a carreira profissional completamente destruídas, e só agora, aos 40 anos, morando longe dele, é que eu consegui fazer o que sempre quis e principalmente descobri o que é ter paz.

Meu amigo da endoscopia é professor. Eu fico babando em tanto conhecimento. Ouvi-lo me faz bem, me alimenta a alma curiosa, me estimula a seguir em frente. Tenho outro amigo, orientando dele, que me bota pilha o tempo todo sobre pesquisa, sobre música, sobre física, sobre engenharia. Isso fora o meu orientador, que é outro amor de pessoa, meu amigo há 20 anos e que me trata como a uma filha. E estou me sentindo cada vez mais segura academicamente graças a eles, pois se antes eu tinha medo de não conseguir fazer um mestrado, agora eu quero o mundo. 

Por que eu tô contando isso? É tão difícil a gente notar que partilhar um sobrenome não é garantia de confiança! E a gente acaba engolindo um sapaial (inventei essa palavra agora) inteiro, ora porque não temos pra onde correr, ora porque você tem que ficar calada pra não atrapalhar a imagem de família margarina que as pessoas têm de vocês... Mas, uma vez que você entende isso, você segue e não olha pra trás. 

Na natureza, as leis da termodinâmica garantem que que todo processo seja executado com o mínimo de gasto de energia. Por que eu vou gastar energia com aquilo que não me dá retorno? Minha amiga, não gaste sua energia com o que não vale a pena. Cole em gente boa e que te incentiva. Não é ser interesseira, é estar perto de quem acrescenta coisas boas, edificantes e que sejam boas não somente para você, mas para a sociedade como um todo. Chama aquele seu amigo engraçado, aquela sua amiga divertida no chat.  Conversem borrachinhas como crianças, troquem boas dicas, seja você também uma incentivadora, uma impulsionadora de corações.

É JUNTO DOS BÃO QUE A GENTE FICA MIÓ.

(Guimarães Rosa)

Ah, e sobre a minha mãe, ela está bem e já está com advogado constituído. Juntas somos mais fortes. E junto de nós filhos ela tá entendendo que é bem mió do que fizeram ela acreditar.

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Sonhos não envelhecem

Tem hora que eu olho para o tempo e nem sei mais que dia os coletores de lixo passam, já que os dias se tornaram tão iguais.

Iguais para nós mulheres, sempre tão atarefadas. Piores ainda em tempos de pandemia, onde a sobrecarga materna praticamente mata o sonho.

Aí a gente não tem nem tempo de sonhar. Só se dormir. E é torcer para não ter um pesadelo. Você se olha no espelho, 40, 50 anos, e começa a se perguntar o que está fazendo da vida. Se você está vivendo o que sonhou ou se ainda tem espaço pra sonhar mais. Tem sim, minha amiga. Tem sim. Você não está sozinha. Tira um minuto pra você lembrar que tem ainda aí dentro uma criança cheia de sonhos e que eles precisam sair do papel. Então sonha! Sonhos não envelhecem. Realize-os sem olhar pra trás ao primeiro passo, aço.