Poderia pedir para trocar de linha, mas era cômoda para mim,
pois a garagem era perto de casa. Cheguei a pedir para trocar de horário, porém
não havia outro motorista disponível para assumir o meu lugar.
Tudo começou por causa de um boteco que abriram ali. Tinha
boa música (na concepção deles), atraía muita gente. Por causa do movimento, outro
boteco abriu ao lado, este com videokê. Para piorar a situação, uma igreja
evangélica em frente, cujo culto começava exatamente na hora de maior movimento
dos dois bares. Resultado: carros estacionados dos dois lados e na rua
perpendicular, o que me impedia de virar a esquina com o ônibus.
Ganhei o apelido de “estressadinho” de tanto buzinar para as
pessoas tirarem seus carros dali. Ah, e não pense, caro leitor, que eu não
tentei. Falei com a empresa de trânsito da cidade várias vezes e eles
simplesmente ignoram meu pedido de colocar algumas placas de “proibido
estacionar” ali.
Pois bem. Um dia o estressadinho aqui se cansou.
Trabalhei
normalmente o dia inteiro, só pensando na hora de passar pela maldita esquina. Paro um quarteirão antes e admiro ao longe aquela
quantidade de Chevette, Brasília, Corcel, Passat quadrado, só aquelas coisas
horrorosas e cheias de massa e ferrugem que o vulgo convenciona chamar de
carro, de um lado e de outro na rua.
Parei o ônibus. Havia nele uns dez passageiros, que começaram
a reclamar. Ignorei. Certifiquei-me de que não havia nenhuma criança por perto.
Gritei para os passageiros: “vou
arrastar este busão na lateral daqueles carros. Quem quiser participar, se
segure. Quem não quiser, pode descer.”
Dois corajosos ficaram. Acelerei o máximo que pude e soltei.
Fui levando retrovisor, porta, para-lama, fazendo ziguezague, aí atingia os carros
do outro lado também. Eu ria, estava me divertindo. Não matei ninguém, nem
queria, mas desta vez eu consegui dobrar a esquina sem buzinar!
Putz, acordei assustado e suando em bicas. Nossa, nunca imaginei que meu estresse me levaria a um sonho desses. Tudo bem, ainda bem que
foi só um sonho. Levantei-me e lavei o rosto para ir à padaria. Minha mulher se
animou e decidiu ir comigo.
Assustamo-nos com a quantidade de viaturas no bairro àquela
hora da manhã. Na certa haviam matado algum traficante, coisa assim. Fomos
andando mais um pouco e vimos um monte de carros destruídos e lá na frente o
meu ônibus, o veículo no qual trabalho, totalmente arrebentado na frente e nas laterais.
Pedaços de para-choque, vidros, retrovisores, tudo espalhado
pela rua. E lá na maldita esquina a equipe da empresa de trânsito instalando
uma placa de proibido estacionar.