domingo, 10 de outubro de 2010

Azul

Comecei a chorar tão logo vi as brancas montanhas em contraste com o céu muito azul daquela tarde de fevereiro. Baixávamos suavemente de forma que eu conseguia ver cada detalhe, e assim que o avião fez a curva para alinhar com a pista pude ver o azul oceano ao longe.

Pousamos. Para minha alegria, todos os fingers estavam ocupados. Adoro desembarque na remota, pois posso sentir ainda na pista o vento que me move a alma. Um ônibus vinha para nos buscar e, enquanto isso, ia fotografando os azuis winglets da aeronave. Curvei-me para trás, buscando o melhor ângulo contra o sol, para ter a imagem perfeita do pássaro azul tão Cézanne e ao mesmo tempo tão Santos Dumont. Meu coração batia cada vez mais forte, e aquele vento gostoso foi ficando para trás quando subi no ônibus da companhia, até chegar ao saguão do aeroporto.

Ia calada e encantada, observando os rostos das pessoas que cumpriram aquela etapa. Alguns em conexão, outros em seu destino, como eu. Era interessante olhar cada traço, cada expressão de alegria da expectativa da chegada. Altos, baixos, gordos, magros, olhos redondos, olhos puxados, verdes, negros, azuis. As vozes, mais agudas pela empolgação, se misturavam aos anúncios de outros voos provindos de inúmeras partes. As mãos gesticulavam sem parar, contando os segundos para a travessia da porta de vidro e o abraço do outro lado.

Senti um arrepio delicioso quando encontrei o letreiro escrito "São Paulo" sobre a esteira. Bagagens de todas as cores e todos os tamanhos passavam por mim e eu sorria um tanto abobalhada. Mesmo já tão habituada à rotina  aérea nunca deixei de me encantar com todo o processo de voar, até observar as malas na esteira me fazia feliz. Como havia sido uma das últimas a embarcar, minha bolsa azul saiu entre as primeiras. Peguei-a e coloquei-a sobre o carrinho.

Atravessei o saguão e lá estava ele, a camisa muito azul com que eu o havia presenteado em seu aniversário, o coração pulsando tão forte como o meu. Sorria e se mostrava agitado tão só me via através do vidro fumê da sala de desembarque. Acenava, quase que pulando, trazia nas mãos uma rosa. Não consegui definir muito bem seus olhos, mas pelo que estava vendo, com certeza eles estavam cheios de lágrimas, tão feliz que estava.

Aquela camisa azul me fez divagar em pensamentos no céu que havia acabado de cruzar por ele, tão presente nos cartões-postais que trocamos por todos esses meses que ficamos sem o abraço um do outro. Aquele azul que o tempo todo nos acompanhou estava presente em cada detalhe, em cada verso, em cada linha que escrevemos. Aquele azul estava na voz dele que me telefonava às duas da manhã, sem se importar com fuso horário, para me dizer que me queria.

Azul que estava em cada ponto, cada parágrafo, cada papel. Azul que estava nos aviões que amávamos, nas estradas que seguíamos, no oceano que admirávamos, na música que ouvíamos. Azul que estava na tinta da caneta com que me deixava bilhetinhos da última vez em que nos abraçamos, azul que estava no vestido que eu usava da primeira vez em que o vi.

Azul que estava em cada passo que dávamos, cada rua em que caminhávamos, cada rosto que víamos. Azul que estava em cada fotografia tirada, cada sorriso eternizado, cada lágrima vertida, cada soluço contido. Azul que eu via tão intenso naquela camisa polo, vestindo o peito que me acolhia e os braços que, ali do outro lado do vidro fumê, me estavam estendidos.

Saí empurrando aquele carrinho feito doida e logo passei a porta de vidro. Era tudo um sonho azul que se transformava novamente em realidade. Abraçamo-nos ternamente e nos brindamos com um beijo azul.