Fiz
um plano de parto todo bonitinho e, assim como o partograma, ele saiu todo da
curva. E é justamente isso que o torna bacana: tudo na minha vida nunca foi no
padrão mesmo, acredito que com meu filho não seria diferente.
Tudo
começou na terça, dia 10/02. Vi que o tampão havia saído. Estava com 40 semanas
e 2 dias de gestação e aguardei então o início do trabalho de parto espontâneo.
Na quarta, quinta e sexta o tampão continuou saindo, e ainda na sexta, 13,
comecei a ter contrações. Começaram às 5 da manhã. Pensei: hoje vai! E foram
ficando fortes e de 3 em 3 minutos. Fui para a maternidade.
No
sábado não senti nada. No domingo, as contrações voltaram no mesmo esquema de
sexta. Fui para a casa da Eliana, minha doula, que fez alguns exercícios comigo
para ajudar na dilatação. No último exame de toque que havia feito na sexta já
estava com 4 cm. Era um indicativo de que estava correndo tudo fisiologicamente
bem. Pausa: outro dia comentei que para parir você não precisa de uma vagina,
mas sim de joelhos íntegros. Você agacha, anda de pato, abaixa para pegar algo,
já que a barriga não te deixa dobrar no meio. E haja joelhos para executar toda
a série proposta pela Eliana! Bom, mas aí lá pelas 13 horas, as contrações
simplesmente pararam. Voltei para casa mais uma vez.
Na
segunda, dia 16, de novo não senti nada. Nada mesmo. Nem mesmo movimentos
fetais. Aí fiquei preocupada. Desta vez me muni de coragem e fui de novo para a
maternidade, preparada já para ficar. Passamos na casa da Eliana para buscá-la
e seguimos para o Sofia Feldman.
Fui
internada às 17 horas. Parece que a mudança de ambiente me fez bem. Ao entrar
na sala do pré-parto, comecei a sentir contrações novamente e os movimentos do
bebê. Marcaram meu nome no quadrinho e começaram a me monitorar. Meu marido,
Paulo César, revezava com a doula, para que eles pudessem comer e descansar.
Quem passou aquela noite comigo no hospital foi ele.
Até
às 10 horas da terça senti contrações. Inclusive dormindo tive. Sonhava com
elas. Porém, quando acordei de verdade, elas simplesmente pararam. Aí pedi a
primeira intervenção: descolamento de membranas. A enfermeira fez tão
direitinho e foi tão cuidadosa que não senti a dor absurda que imaginei que ia
sentir. Suspeitei estar com a bolsa rota, pois o tampão que havia começado a
sair na semana anterior agora vinha com uns gruminhos verde-escuro, que percebi
ao sentar na cama. Mecônio. Ah, meu Deus...
Pedia
a todo instante uns pensos, esses pedacinhos de pano para colocar na calcinha,
enquanto sentia as contrações. Todo o momento que a doula estava comigo ela me
lembrava de fazer agachamento para ajudar na dilatação. Minha bexiga devia
estar com uma capacidade de no máximo uns 40 mL, porque além de fazer xixi toda
vez que agachava, até doía pelo peso do bebê. Cheguei a dizer que estava a fim
de fazer um litro de xixi, que não aguentava mais ficar fazendo de pouquinho em
pouquinho. Evoluí para 5-6 cm até as 13 horas.
Nesse
momento, foi feita a segunda intervenção: ligaram a ocitocina em mim. Meu colo
já estava favorável, então era só um empurrãozinho mesmo. As contrações estavam
suportáveis. Eram nível piriri. Só que nem bem se passaram dez minutos de
ocitocina, tive uma cólica de rim brava. Pedi socorro pelo amor de Deus.
Acharam que eu estava confundindo contrações uterinas refletidas por todo o
abdome com o meu rim. A Eliana mesmo me disse que eu tenho uma consciência
corporal muito boa, que sei dizer com exatidão o que dói e em qual escala. Pois
bem, me examinaram e ligaram o Buscopan no soro também. O alívio foi quase
imediato: realmente tive uma cólica de rim, e sim, ela dói mais que as
contrações uterinas.
Lá
pelas 15 horas resolveram ligar um aparelho de cardiotocografia em mim.
Contavam que a minha idade gestacional era de 42 semanas e 2 dias (mas para mim
ainda continuam sendo 41+2, e não tem quem me demova disto!), e que por isso
tal monitoramento era necessário. A essas alturas, meu coração de mãe já
começou a pensar que o desfecho não poderia ser aquele que sonhei. Para
começar, tinha pensado em parir na água, num dia de sol, com a luz vindo do meu
lado esquerdo. Só pela idade gestacional já não pude ir para a banheira, aí o
negócio desandou, embora tivesse acesso a tudo o que precisaria, mas usei mesmo
só o chuveiro.
Às
17 horas me levaram para a sala de parto. A luz vinha do meu lado esquerdo,
como imaginei. Desta vez o Paulo César e a Eliana puderam ficar junto comigo ao
mesmo tempo. Ligaram de novo a cardiotoco em mim. Batimentos cardíacos do feto
não eram tranquilizadores. As contrações estavam mais fortes, vindo de 3 em 3
minutos, nível piriri mais agressivo. Romperam minha bolsa e saiu pouquíssimo
líquido, oligrodrâmnio já indicado no ultrassom que havia feito com 39 semanas.
E nada de o trabalho de parto engrenar. Estava deitada sobre meu lado esquerdo
e a posição me incomodando demais.
Às
19 horas as contrações atingiram um nível de dor insuportável. A cólica de rim
ficou bem para trás. Parecia que tinham dois ganchos, um de cada lado do osso
da bacia, que eram tracionados, me rasgando no meio. A dor começava no púbis e
se espalhava pelas laterais do osso. Ao mesmo tempo, sentia o bebê batendo no
púbis e voltando. Pedi analgesia.
Antes
de ir para o biombo da analgesia, conversei com o Dr. Roberto, que estava de
plantão naquela noite, e já mandei a real: como escrevi no plano de parto que
estava disposta a encarar uma cesárea se fosse necessária, que ele preparasse
tudo caso após o efeito da analgesia passar eu ainda não tivesse parido. Muito
solícito, esclareceu todas as dúvidas, fez um toque, e a posição do bebê sempre
dava -1 em relação à espinha isquiática, e saiu. Eu queria um parto normal, mas
não a qualquer custo. E não me perdoaria se acontecesse qualquer coisa com meu
bebê.
Fui
para o biombo e cheguei lá vomitando, de tanta dor. Minha pressão, que até
então estava nos 11 x 8, foi a 15 x 10 (altaaa...!), que vi no monitor. Alguém
foi lá limpar a bagunça que eu havia feito e logo a Dra. Rafaela resolveu meu
problema. Alívio imediato, voltei para a sala de parto. Desta vez tudo escuro,
as luzes apagadas, só a do banheiro, que estava de frente pra mim, acesa. Fiquei
na banqueta de parto com a cardiotoco ligada outra vez. Pedi para baixarem o
volume, porque o barulho estava me estressando. Fui monitorando as contrações e
fazia força toda vez que o número verdinho ia lá nas tampas.
Sentia
a vagina arder. Colocava a mão embaixo para ver se sentia a cabeça do meu filho
descendo. Nada. A enfermeira que me acompanhava, Graziele, até me perguntou o
que eu estava sentindo, para tentar me ajudar. Iluminava o ambiente com a tela
do celular – confesso que essa iluminação estava até agradável, porque tudo
escuro também era muito estranho. Colocaram oxigênio em mim. Ela fez toque, e a
posição do bebê continuava sempre em -1 em relação à espinha isquiática. A
dilatação já estava em 7-8 cm. O índice de Bishop para mim dava 9 no momento da
admissão, o que contava como bastante favorável à indução, nem lembrei de
perguntar nesse momento, que deveria estar ainda bem mais alto. Fiei-me nisso.
Quase
22 horas, o efeito da analgesia passou. Já estava totalmente dilatada. Voltei a
sentir as contrações e pedi pelo amor de Deus para desligarem aquela ocitocina
de mim e saí arrancando as correias da cardiotoco. Já lá no fundo eu sabia que
seria cesárea. O Dr. Roberto entrou na sala, fez toque novamente e, adivinha!
Não saímos do -1! Ele me informou que se tratava de uma parada de progressão e
que era indicação real e necessária de cirurgia. Lembro de ter falado: “salva a
gente então, Roberto!”. Ele foi muito bacana e explicou que tentaram ao máximo
seguir tudo o que estava no meu plano de parto, mas tem coisas que não estão na
nossa mão. Como já havia voltado a sentir as contrações, ele explicou mais
algumas coisas que não me lembro bem, mas sei que aceitei a “derrocada” de bom
grado.
Baixei
a cabeça na cama, rezei um Pai-Nosso e uma Ave-Maria e pedi a Deus que nos
protegesse. Contemplava o céu limpo, estrelado, e incrivelmente eu não me perguntava se eu
merecia aquilo. Logo eu, defensora do parto normal! Mas não, apenas aceitava
porque sabia que seria assim, não me pergunte como, não me pergunte por quê. Morria
de dor, mas por dentro eu estava em paz com aquilo.
Fui
para o chuveiro e a Eliana chamou a minha mãe, que estava desde as 18 horas lá
fora. Abracei e beijei ela, chorei de cansaço. Reclamei que não consegui parir,
mas o Paulo César me abraçou e falou que eu fui guerreira demais, que ele não
aguentaria duas horas o que eu aguentei dois dias. Que eu fui brava,
acreditando na causa que eu defendia. Isso me deu ainda mais forças para
encarar a cirurgia.
Ainda
fiquei uma hora sentindo contrações sem a ocitocina. Eram ainda fortes, mas não
no nível das de 19 horas. Vocalizava a cada contração e conseguia desenhar com
a voz a onda de dor que sentia. Não gritei, eram gemidos altos. O Dr. Roberto
me falou que iam preparar o bloco cirúrgico e que logo voltaria para me buscar
(isso foi o que ele me contou. Porque para o Paulo César ele falou a verdade:
disse que me deixaria mais uma hora sem a analgesia para ver se eu poderia
progredir no trabalho de parto).
Antes
de entrar no bloco cirúrgico, me falaram que eu tinha que escolher apenas uma
pessoa para entrar comigo. Como gostaria que fosse o marido, me despedi e
liberei a Eliana naquele momento, para que ela também fosse para casa
descansar, depois de tanta massagem e tanta paciência dispensada a mim durante
um dia inteiro. Toda mulher merece uma doula. Sério.
Na
mesa de cirurgia, recebi ainda um último toque do Dr. Roberto, ao qual
classificamos de “desencargo de consciência”. Adivinha? -1!!! Dra. Rafaela
voltou à cena e fui devidamente anestesiada. Ali começava o primeiro dia do
resto da minha vida. Morria a Glaucia e nascia a mãe.
Às
23h37 veio ao mundo o Francisco, de olhos bem abertos, com 3,600 kg e 53 cm.
Chorou só porque era protocolo. Deu uns gritinhos e ficou foi prestando atenção
à sua volta. Não sei se vocês acreditam nisso, mas quando o vi de olhão aberto,
pensei logo: “é uma alma velha”. E comentei na mesma hora: “aí, Pecê, ele é a
sua cara!”, no que toda a equipe olhou para ele e concordou: “é mesmo, pai,
parece muito com você!”. Ele teve Apgar 8 no primeiro e 9 no quinto minuto. Trouxeram-no
para mim, para eu cheirá-lo e conhecê-lo. Eu não estava de mãos amarradas,
apenas o cansaço físico me impedia um contato melhor com ele. Cheirinho bom de
neném, mesmo com mecônio!
"Cheguei!"
O
Pecê, agora papai, estava extremamente cansado e passando mal dentro do bloco.
Falaram com ele que ele podia pegar o neném. Ele falou que estava com medo de
quebrar o bebê! Coitado, entendo o cansaço, a ansiedade e a dor física que ele
estava sentindo só de nos ver naquela situação. Mas ele foi lá e pegou, tirou
foto com o meu e com o celular dele. Tirou selfie. Avisou todo mundo. Já era um
papai feliz.
Avisaram-me
que o líquido amniótico estava fétido. Aspiraram os pulmões do Francisco.
Trouxeram a placenta para eu conhecer, do jeitinho que eu pedi no plano de
parto! Comentei que o corpo humano era lindo, e a pediatra, Dra. Kamille,
concordou bem comigo. Enquanto era suturada, adormeci. Dr. Roberto foi me
acordar ao final, achando que eu estava passando mal, mas era só cansaço mesmo,
até porque já era a hora natural de eu dormir. Nesse momento, a equipe quase
inteira saiu do bloco correndo para acompanhar um parto de gêmeos de 24 semanas
e ali quem ficou terminou os procedimentos de retirada da sonda vesical, me
colocar na maca, vestir o Francisco e nos levar para a enfermaria.
Dispensei
o marido para ele ir para casa dormir e minha mãe ficou comigo naquela noite. No
dia seguinte, quase morri para levantar da cama e tomar um banho. Estava
sangrando muito ainda. Não consegui dar o primeiro banho no Francisco, no que
fomos auxiliadas por uma enfermeira muito simpática e solícita.
Tive
dificuldade de amamentação. Nas primeiras 24 horas, nada de leite. Chorei de
desespero achando que não ia conseguir alimentar o meu filho além de tudo o que
já havíamos passado. Fui obrigada a ceder ao complemento, até que fui à sala de
ordenha do hospital e me ensinaram a fazer a estimulação correta.
Bem,
achei que ia embora para casa na sexta pela manhã, quando a Dra. Kamille passou
na enfermaria e anunciou que tinha acabado de internar meu bebê, pois a PCR
dele tinha dado alterada, além de a frequência respiratória estar acelerada. Caso esta afecção não fosse tratada, poderia evoluir para uma sepse. Foram mais 11 longos dias no hospital: desta vez eu
como acompanhante do Francisco, que recebia antibiótico intravenoso, e tendo que levantar, sentar, sair da cama,
trocá-lo, tudo com a barriga ainda doendo muito. Fora a quantidade de gás que
fica presa dentro de você. Dá até choque.
Para
piorar, embora estivesse dando leite loucamente e muito feliz por poder
amamentar, o teste da linguinha dele deu alterado. Ele mamava muito, se cansava
rápido e não se fartava. O pouco xixi denunciava isso. A avaliação da Fga.
Camila, minha contemporânea de faculdade inclusive, foi fundamental para o
sucesso do aleitamento. Aprendi que a
amamentação deve ser prazerosa para ambos!
Foi
constatado que ele tinha o frênulo da língua um pouquinho maior, a chamada
"língua presa". Alguns casos têm indicação cirúrgica, como ele, que
passou pela frenotomia, outros necessitam apenas de acompanhamento. Esse teste
pode evitar desmame precoce - ele estava mastigando o meu mamilo, que ardia.
São essas coisinhas, “inhas”, tá?, além da pega errada, que fazem mães morrendo
de dor e mamilos rachados enquanto amamentam. Está errado. Os meus não racharam
e não deram problema até hoje. Sobre o procedimento, é praticamente indolor e
quase não sangra. O pediatra Dr. Felipe fez na enfermaria mesmo. E a criança já
mama assim que o faz.
A
recuperação da cirurgia tem sido pesada. E a sensação de que todos os órgãos lá dentro estão despencando? Você não consegue parar em pé. Na semana da cesárea mesmo, não havia
conseguido ir ao banheiro ainda. Na tentativa, vi estrelas, doía mais que a
própria cirurgia, pois além de tudo, ardia. Deram-me óleo mineral,
anti-inflamatório, dimeticona e uma injeção de cetoprofeno que, juro, vi não só
estrela, mas a família inteira pela greta. É mais dolorida que a contração e a
tentativa de ir ao banheiro, porque não só dói, como arde e queima. Mas
consegui ir ao banheiro e há até uns 4 dias ainda estava dependendo do óleo
mineral. Anestesia é punk, mano.
Voltei
para casa e alguns pontos abriram. Fui ao hospital para retirá-los e voltei com
uma receita de antibiótico e anti-inflamatório (de novo). Acabo de tomá-los
amanhã. A cicatriz já parou de arder e já estou um pouco mais independente.
Francisco faz hoje um mês. E permaneço com uma sensação inenarrável de missão
cumprida, porque entrei de coração aberto naquele bloco cirúrgico. Minha
cesárea foi necessária para que nossas vidas fossem salvas, e é isso o que eu
digo o tempo todo: não sou contra a cirurgia, sou contra a banalização de um
recurso que só deve ser usado em último caso. Não se acanhem de precisar de uma
cesárea, mas sejam leoas se não precisarem. Não é fácil passar por uma cirurgia
desse porte – eu já havia feito uma cirurgia abdominal anos atrás e já sabia
que não seria nada fácil a recuperação.
Das
mudanças no meu corpo, continuo ainda com a chamada “barriguinha de mamãe”. A
pele ainda está escura e flácida na região do umbigo. Também percebi que houve
mudança no ângulo da vagina, o que notei pelo novo posicionamento do absorvente
na calcinha. Aliás, minhas calcinhas estão quase todas manchadas de sangue.
Pensei em jogá-las fora, porém ontem, observando-as no varal, já não as vejo
mais com nojo, mas como verdadeiros troféus de guerra.